“A gente transava na decolagem”: Ex-comissário relembra os bastidores proibidos da aviação

Ex-comissário de bordo da extinta Varig relembra experiências inusitadas em voos

“A gente transava na decolagem”: Ex-comissário relembra os bastidores proibidos da aviação
Anderson Hartman atuou como comissário de bordo da Varig de 2000 a 2002 — Foto: Arquivo pessoal

Você já parou para pensar nas situação inusitadas que podem acontecer nos bastidores de um voo — e que muitos passageiros nem imaginam? Anderson Hartman, 45, ex-comissário de bordo trabalhou por dois anos na extinta companhia aérea Varig, quando tinha apenas 20 anos. Tempo suficiente para presenciar momentos curiosos -- de cantadas até mesmo sexo entre os membros da tripulação.

Nascido e criado em São Sebastião do Caí, interior do Rio Grande do Sul, Anderson sempre teve o desejo de conhecer o mundo, e encontrou na aviação uma oportunidade de "viajar de graça". Na época, ele estagiava em um banco e cursava faculdade de administração.

"Meu pai tinha falido, então, eu não tinha dinheiro para viajar. Por isso, decidi fazer o curso de comissário de bordo", explica. A partir daí, ele viajou por 24 estados brasileiros e por sete países: Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Peru, Estados Unidos e Reino Unido.

Segredos da aviação

Na Varig, os comissários tinham direito a pedir um voo por mês, para onde quisessem - nem sempre o pedido era atendido, mas segundo Anderson, na maioria das vezes, era. Em voos como esse, a tripulação costumava fazer a "feira" dentro do avião: pegando todos os tipos de bebida alcóolica da aeronave, porque não havia controle.

"Hoje, eu sei que tem controle, mas a gente pegava e ficava bebendo no hotel. A gente fazia voo de amigos. Pedíamos um voo inativo, ficávamos dois dias em Manaus, em um hotel com zoológico dentro, que, na época, era da própria companhia. Ficávamos bebendo, rindo, fazendo encontros na piscina, curtindo mesmo. A gente escolhia até o comandante mais legal para fazer o voo", conta.

Anderson Hartman revela segredos da aviação, da época em foi comissário de bordo da Varig — Foto: Arquivo pessoal

Anderson Hartman revela segredos da aviação, da época em foi comissário de bordo da Varig — Foto: Arquivo pessoal

Já em voos comerciais, havia algumas regras, como: os comissários não podiam transar a bordo. No entanto, os tripulantes costumavam quebrá-la.

"A gente transava. A gente fazia no pouso e na decolagem, que aí tá todo mundo sentadinho e com o cinto de segurança. Eram coisas mais amenas, claro, mas rolava. A adrenalina, o proibido é mais gostoso... Era massa. Acontecia, não com muita frequência, mas acontecia".

Outra regra um tanto quanto curiosa, era o fato da leitura ser proibida durante o voo, pois os comissários deveriam estar sempre atentos. "A cada capital que chegávamos, entrava uma pilha de jornais locais e revistas. Em voos longos, eu ficava lendo muito. Era proibido, mas todo mundo lia. Você ia ficar fazendo o que durante 5 horas parado?", diz. A partir dessas leituras, ele descobriu sua nova paixão: o jornalismo. Hartman conciliou o trabalho com as aulas da faculdade, e se graduou em 2005.

"Foi quando vi que queria estar no lugar do passageiro. Mas, eu aprendi muito na aviação, fiz muitos treinamentos. Era muito bom. Eu venho de uma cidade de 26 mil habitantes, e ir para o mundo, dessa forma, foi um tesouro. Poder expandir meus horizantes, meu olhar para a vida, ter um banho de cultura... Foi incrível", analisa. Atualmente, Anderson atua como jornalista e conselheiro estadual de cultura do Rio Grande do Sul.

Ex-comissário de bordo da extinta Varig relembra experiências inusitadas em voos — Foto: Arquivo pessoalEx-comissário de bordo da extinta Varig relembra experiências inusitadas em voos — Foto: Arquivo pessoal

Fetiche em comissário

Hartman conta que alguns passageiros tinham um certo fetiche nos comissários, apostando em tentativas de flertes. "Acredito que pelo uso do uniforme, exista um fetiche. Eu recebia muitas cantadas, de homens e de mulheres. Na época, era comum entregar cartão de visita. Hoje, é diferente, você pode olhar o nome do comissário na roupa e procurar pelas redes sociais", relembra.

Em um voo de São Paulo para Salvador, um passageiro entregou um cartão de visitas e sugeriu um passeio pela capital baiana com Anderson, que logo desconversou. Seis meses depois, na mesma rota, o mesmo cliente entrou na aeronave.

"Na hora eu reconheci ele, mas me fiz de louco. Ele me entregou um cartão de visitas de novo, mas eu não entrei em contato. Sempre usei 'senhor' e 'senhora' para me referir aos passageiros, para criar uma berreira e evitar essa aproximação", conta.

Ele relembra que, durante os treinamentos, a companhia não dava instruções sobre como lidar com esse tipo de situação - e nem reforçava se era proibido se relacionar com passageiros. "Nunca aconteceu de ser alguém que eu quisesse ficar, que eu tivesse interesse. Se fosse o caso, talvez, eu teria agido de forma diferente", avalia.

Anderson Hartman lidava com cantadas durante o voo e atendimento a celebridades — Foto: Arquivo pessoalAnderson Hartman lidava com cantadas durante o voo e atendimento a celebridades — Foto: Arquivo pessoal

Celebridades a bordo

Durante seus três anos como comissário, Anderson atendeu diversos nomes conhecidos ao longo dos voos, como: Ivete Sangalo, Carla Perez e Sérgio Reis.

"A Ivete quando ia entrar a bordo era uma loucura, ficava todo mundo falando: 'Meu Deus, a Ivete vai entrar'. Carla Perez pegou voo comigo, foi super simpática", explica. Na sua experiência com Sérgio Reis, foi um dos casos em que uma passageira queria tirar foto com o artista, e pediu sua ajuda.

"Ela pediu: 'Pelo amor de Deus, eu preciso tirar foto com ele, sou muito fã'. E ele foi super solicito, levantou da poltrona dele e foi lá na frente tirar foto com ela. Mas, tinha outros famosos que entravam com o produtor e nem dirigiam a palavra aos comissários", diz, sem citar nomes.

Fonte: GQ/Globo