Estudo de Oxford revela o melhor remédio para problemas do sono

Já aprovada pela FDA, nova medicação está em análise na Anvisa e deve chegar ao país nos próximos meses

Estudo de Oxford revela o melhor remédio para problemas do sono
Imagem: Shutterstock
Segundo a Associação Brasileira do Sono (ABS), 73 milhões de brasileiros sofrem com insônia. O tratamento varia, podendo envolver apenas mudanças de rotina, como uma regularidade na hora de dormir, ou, em casos mais severos, o auxílio de medicamentos devidamente prescritos por um médico.

Porém, embora necessários, eles nem sempre significam um ponto final para o problema. Isso porque muitos remédios disponíveis hoje trazem efeitos colaterais graves, como quadros de dependência ou até mesmo uma piora do sono a longo prazo.

Essa realidade demanda por novas alternativas, que compõem a chamada nova geração do tratamento da insônia. Um dos fármacos mais promissores é o lemborexant, vendido pelo nome comercial de Dayvigo, nos Estados Unidos, aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora do país, em 2019.

O remédio foi elencado com o melhor perfil de eficácia, aceitabilidade e tolerabilidade por uma ampla revisão de estudos sobre 36 medicamentos realizados durante mais de quatro décadas. O trabalho, de pesquisadores da Universidade de Oxford, foi publicado na revista científica The Lancet.

“Deve-se notar que o lemborexant age através de uma via diferente no cérebro, o sistema neurotransmissor orexina (hipocretina), um mecanismo novo de ação. O direcionamento mais seletivo dessa via e dos receptores de orexina pode levar a melhores tratamentos farmacológicos para a insônia”, afirma o professor de psicofarmacologia da Universidade de Oxford e co-autor do estudo, Philip Cowen, em comunicado.

O remédio, que é uma nova alternativa a pessoas que sofrem com o transtorno, está perto de chegar também ao Brasil. Procurada pelo GLOBO, a farmacêutica responsável pelo lemborexant, a japonesa Eisai, afirmou que o medicamento já está em análise pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil, a Anvisa, desde 2021, e pode chegar às drogarias já no ano que vem.

"A revisão dos dados está demorando mais do que o previsto devido à pandemia e à prioridade da agência na revisão e aprovação das vacinas e medicamentos destinados à prevenção e tratamento da Covid-19. Embora gostaríamos que a aprovação fosse mais rápida, compreendemos a situação da Anvisa. Neste momento, estimamos que o lemborexant será aprovado no início de 2023. A Eisai tem planos de disponibilizar o medicamento no país ainda no decorrer do ano que vem", conta o farmacêutico-responsável e diretor de garantia de qualidade da filial brasileira da Eisai, Luiz Silva.

Para a neurologista Dalva Poyares, professora de medicina do sono na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a chegada da alternativa no mercado é bem-vinda, uma vez que é grande o número de pessoas que sofrem com a doença no país.

"Nós temos que ampliar as nossas opções. A insônia é muito prevalente na população, então quanto mais opções de medicamentos seguros, melhor. E a nova geração é de fato os antagonistas da hipocretina, esses estão evoluindo cada vez mais. Tenho atualmente 10 pacientes nos Estados Unidos usando o remédio, e os relatos são de boa tolerância, pouco efeito residual pela manhã e seguro. Então parece de fato ser uma ótima opção de insônia para médio prazo", conta Poyares.

Os antagonistas da hipocretina, como são classificados os novos medicamentos, atuam por meio de um sistema no cérebro diferente dos remédios tradicionais, explica a neurologista Rosana Alves, especialista do sono do Grupo Fleury.

"A hipocretina é um neurotransmissor cujo papel principal é manter a vigília e o despertar. Então o bloqueio desse neurotransmissor consegue aumentar e induzir o sono. Nós vamos observar nos próximos anos como o remédio vai funcionar melhor, mas os efeitos são promissores", afirma a especialista, que é membro da Associação Brasileira do Sono (ABS).

Em relação aos medicamentos mais utilizados hoje no Brasil, os benzodiazepínicos, Dalva explica que eles agem de forma contrária. Em vez de inibir a vigília, eles induzem um neurotransmissor chamado GABA, que promove uma redução da atividade no sistema nervoso e consequente efeito hipnótico.

Desde que foram descobertos, na década de 60, eles se tornaram uma das categorias de fármacos mais vendidos, sendo utilizados também para tratamento da ansiedade.

"Porém, os benzodiazepínicos causam dependência e a longo prazo favorecem o déficit cognitivo. Então ele é perigoso, ainda mais em quantidades excessivas", alerta a médica.

Isso porque, embora eles de fato tenham um bom efeito terapêutico para induzir o sono, o uso não deve ultrapassar quatro semanas, nem ser realizado sem o acompanhamento médico. Além disso, quando misturados com álcool ou ingeridos em excesso, os remédios podem provocar paradas respiratórias.

A partir dos anos 80, quando esses efeitos negativos começaram a ser relatados, começou um movimento de “desprescrição” dos remédios, para reduzir o número de pessoas dependentes. No entanto, até hoje o uso dos fármacos é mais alto que o recomendado.

Parte desses esforços foram intensificados com a chegada das drogas Z, medicamentos que também atuam no GABA, porém são mais específicos por serem direcionados a apenas uma subunidade do neurotransmissor.

O perfil de fato é mais favorável – a revisão de Oxford apontou um deles, a ezopiclona, como uma das opções com os melhores resultados após o lemborexant. Porém, a longo prazo, também podem provocar quadros de dependência.

"Uma das maiores preocupações com esses hipnóticos é que quanto mais potente e mais específico, maior probabilidade de eventos adversos, como queda em idosos, confusão mental e intolerância. Com o tempo, a pessoa pode ter até mais dificuldade para dormir", explica Dalva.

Remédios são necessários, mas não primeira opção

Por isso, Rosana, da ABS, reforça que o tratamento da insônia é sempre priorizado com medidas não farmacológicas. Os medicamentos são eficazes e importantes, porém não devem ser a primeira alternativa, e só podem ser ingeridos mediante orientação dos especialistas.

"Técnicas de higiene do sono, como horários regulares de sono, evitar dispositivos eletrônicos antes de ir para a cama, não consumir bebidas energéticas, entre outros, além de técnicas de relaxamento e terapia cognitivo comportamental são sempre a primeira aposta para resolver o problema", diz a neurologista.

Ela explica ainda que a chegada do lemborexant, embora animadora, não deve ser encarada como a solução do problema da insônia.

"Toda vez que temos um novo medicamento, temos que tomar cuidado para não parecer que são milagrosos. Na maioria dos casos de insônia, você precisa identificar as causas dela e evitar o uso de remédios de forma prolongada. Essa classe nova de remédios parece promissora, mas precisamos aguardar ao longo do tempo", diz Rosana.

As especialistas explicam que a insônia é caracterizada por dificuldades para dormir que levam a problemas de memória, de foco e concentração, sonolência durante o dia e irritabilidade, o que traz prejuízos pessoais e profissionais. A longo prazo, a insônia aumenta também o risco para doenças cardiovasculares e metabólicas, como diabetes e obesidade.

Há fatores, como situações de estresse no trabalho ou na família, que podem desencadear quadros de insônia, porém há elementos genéticos que levam a essa predisposição da vigília, dizem as neurologistas.

Uma das maneiras de identificar se os problemas para dormir podem ser um sintoma da insônia, e não apenas algo temporário, é monitorar se eles acontecem ao menos três vezes por semana durante um período de ao menos três meses.

Por: IG Saúde