Como conversar com adolescentes sobre temas como sexo e drogas sem cometer 'sincericídio'
Especialistas recomendam encarar diálogos como chance de criar conexão e influenciar a visão de mundo dos filhos

Por que o céu é azul? Como nascem os bebês? O que acontece depois da morte? Se as perguntas que as crianças fazem parecem difíceis de responder, espere até elas crescerem e começarem a querer saber como seus pais se comportavam na adolescência.
Contar ou não com que idade começaram a beber ou a transar, se já mentiram para matar aula ou se fumavam maconha com os amigos pode ser um dilema até para pais e mães que se consideram super abertos ao diálogo.
A Folha ouviu especialistas para entender como falar com adolescentes sobre esses temas com honestidade, mas sem "sincericídio".
A primeira recomendação é encarar essas conversas como uma oportunidade de criar conexão e influenciar a visão de mundo dos filhos. "O adolescente, quando está curioso, irá em busca de satisfazer essa curiosidade. Se ele pesquisa na internet ou pergunta para outras pessoas, não temos o menor controle sobre o que vai chegar até ele. Quando ele pergunta para nós, aí sim, podemos garantir a qualidade dessa informação", afirma Lígia Moreiras, da página Cientista que virou Mãe, doutora em saúde coletiva e autora do livro digital "Adolescência com Amor".
O adolescente, quando está curioso, irá em busca de satisfazer essa curiosidade. Se ele pesquisa na internet ou pergunta para outras pessoas, não temos o menor controle sobre o que vai chegar até ele. Quando ele pergunta para nós, aí sim, podemos garantir a qualidade dessa informação
Em sua opinião, falar sobre as próprias experiências pode ser uma chance de "descer do pedestal" em que muitos pais e mães se colocam. Mostrar vulnerabilidade ajuda os filhos a criar resiliência.
"É muito importante que adolescentes saibam, com todas as letras, que suas mães e seus pais também passaram pelas angústias, dúvidas e medos que eles têm, que fizeram escolhas erradas e depois foram atrás de resolver e que, por isso, têm condições de entender as dores deles", diz.
Moreiras sugere ir além das próprias experiências e buscar informações fundamentadas. "Temos que entender o que vem sendo debatido hoje, desfazer equívocos que podemos ter sobre sexualidade ou sobre psicotrópicos, por exemplo, para não correr o risco de passar adiante erros ou preconceitos."
Outra dica é aprender sobre as diferentes etapas do desenvolvimento humano, até para saber quais informações os filhos estão prontos para absorver. "A gente precisa adaptar o discurso a cada fase, e para isso não basta bom senso, temos que saber se o adolescente já possui um sistema nervoso central suficientemente desenvolvido para compreender algumas coisas", diz a cientista.
Vale lembrar algumas particularidades do cérebro adolescente: o córtex pré-frontal, responsável por funções como planejamento e controle dos impulsos, ainda não está maduro, enquanto o sistema límbico, que processa as emoções, fica hiper-reativo. Essa mistura de intensidade emocional com racionalidade limitada deve ser levada em conta ao calibrar a intensidade das informações e emoções envolvidas nessas conversas.
Para o psiquiatra Gustavo Estanislau, pesquisador do Instituto Ame Sua Mente, ainda que a sinceridade seja importante, os pais devem tomar cuidado para não banalizar algumas experiências, relatando-as de forma apressada e descontextualizada.
"Uma coisa é ter fumado maconha com 20 anos. Outra é falar disso com um adolescente de 14, que não se projeta no tempo, não consegue entender o cenário em que aquilo aconteceu. Não dá para ter essa conversa no carro, na pressa, pois há grande chance de mal-entendido, de parecer que é uma liberação", alerta.
Estanislau diz que há pais que glorificam tanto o próprio passado —inclusive comportamentos de risco— que geram uma pressão para que os filhos sigam o mesmo caminho.
"É aquele pai que quer ser o amigão e acaba se excedendo, contando que bebia todas, que pegava um monte de gente. O adolescente pode ficar ansioso, pensar: ‘Poxa, meu pai nessa época já tinha transado e eu nunca dei um beijo’."
O desafio é buscar conexão sem ultrapassar essas barreiras. "Existem relações entre pais e filhos que são muito distantes, sem abertura para um diálogo, mas também há relações tão próximas que dificultam a vida do adolescente", completa a psicanalista Renally Xavier, pesquisadora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Ela lembra que a adolescência é um período de ressignificação das relações com a família e de construção de uma identidade própria. "Não há nada pior para um filho do que saber tudo sobre a sexualidade dos pais. Isso pode obturar a experiência desse sujeito."
Para Gustavo Estanislau, um caminho para alcançar mais naturalidade nesses diálogos é os pais se acostumaram a falar mais sobre seu dia a dia.
"Nossa tendência é fazer muitas perguntas —’como foi a escola? como foi seu dia?’—, mas é pouco comum ver pais contando que tiveram um dia difícil no trabalho ou que aprenderam algo super legal", diz. "Aí vem a reclamação clássica de que o adolescente não fala, mas é que a conversa é quase um interrogatório, vai perdendo a graça."
Lígia Moreiras acrescenta que essa relação de confiança deve ser construída desde aprimeira infância. "A boa convivência com nossos adolescentes começa lá atrás, quando mostramos que eles não só podem como devem falar qualquer coisa para a gente. Saber que, se eles tiverem dúvidas, vão se sentir seguros para nos perguntar traz uma paz muito grande."
Por: Folha de São Paulo