Com voto de Zanin, STF tem 5 votos para responsabilizar redes por conteúdo ilegal
Resultado não será divulgado hoje, segundo o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na tarde desta quarta-feira o julgamento sobre a responsabilização das redes sociais por conteúdos publicados com a manifestação de Cristiano Zanin, que se uniu à corrente de ministros que defendem a remoção de conteúdos ilegais. Com o posicionamento, já há cinco votos a favor da derrubada da necessidade de decisão judicial para a retirada de publicações ilegais, e um contra.
Pela manhã, o ministro Flávio Dino disse em seu voto que "liberdade regulada é a única liberdade". A Corte analisa se vai definir regras de responsabilização de plataformas digitais e empresas de tecnologia por conteúdos publicados por usuários, com base no Marco Civil da Internet. Além de Zanin e Dino, cinco ministros já votaram — Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e André Mendonça.
— Não existe liberdade sem responsabilidade em termos constitucionais. Liberdade sem responsabilidade é tirania. Ideia de que regulação mata a liberdade é absolutamente falsa. Responsabilidade evita a barbárie. Entendo que devemos, como tribunal, avançar na direção da liberdade com responsabilidade. Liberdade regulada é a única liberdade — disse Dino. — Não são ministros que acordaram de manhã e resolveram tolher a liberdade das pessoas. Qual é a empresa ou setor econômico social se autorregula?
Segundo a tese defendida por Dino, as plataformas são responsáveis por “danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros, ressalvadas as disposições específicas da legislação eleitoral e os atos normativos expedidos pelo TSE”.
— Fiz um voto em busca de uma decisão que una o tribunal e que dialogue com a sociedade de modo amplo — afirmou Dino.
Para Flávio Dino, é preciso ampliar a responsabilidade das plataformas, adotando como geral a regra que prevê possibilidade de punição caso não se exclua uma postagem a partir de uma notificação de um usuário. A exceção ficaria para casos de alegações de ofensas e crimes contra a honra, em que a plataforma só poderia ser responsabilizada caso descumpra decisão da Justiça para excluir determinado conteúdo.
O ministro também propôs estabelecer uma lista de conteúdos pelos quais as plataformas devem ter um dever de monitoramento e que podem ser eventualmente responsabilizadas. Entre esses conteúdos estão: crimes contra crianças e adolescentes, instigação ao suicídio, terrorismo ou apologia a crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Pela tese de Dino, as plataformas também poderiam ser responsabilizadas, independentemente de notificação judicial ou extrajudicial, em situações de perfis anônimos, robôs, ou postagens pagas.
Após a leitura da tese proposta por Dino, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que os diversos pontos apresentados pelos ministros que já votaram podem levar a um voto de "consenso sobreposto". Barroso disse, contudo, que a Corte não chegará a uma decisão final nesta semana "em nenhuma hipótese", tendo em vista que a ministra Cármen Lúcia não participa do julgamento nesta semana, e que o ministro Nunes Marques já afirmou que precisa de mais tempo para uma reflexão aprofundada sobre os diversos aspectos apresentados.
O que está em discussão?
O que está em discussão no julgamento do STF é o modelo de responsabilização das plataformas pelo conteúdo de terceiros — se e em quais circunstâncias as empresas podem sofrer sanções por conteúdos ilegais postados por seus usuários. A regra que está em vigor atualmente diz que as redes só podem ser responsabilizadas se descumprirem uma ordem judicial de exclusão de conteúdo.
Mendonça diverge
Na quinta-feira passada, André Mendonça divergiu dos colegas ao afirmar que a regra do Marco Civil é constitucional. Para Mendonça, as plataformas têm legitimidade para defender a liberdade de expressão e, nesse sentido, têm o direito de preservar as regras de moderação próprias. O ministro entende que, caso haja determinação de remoção de conteúdo ou perfil, elas devem ter acesso integral a seu teor e à possibilidade de recorrer. Ele também considera inconstitucional a remoção de perfis, exceto quando comprovadamente falsos.
Ameaças a Moraes
O recomeço da análise do caso ocorre no momento em que os Estados Unidos, por meio do governo de Donald Trump, ameaçam sancionar Alexandre de Moraes por decisões dadas contra grandes empresas de tecnologia. A possibilidade de punição ao ministro chegou a ser comentada pelo chefe do Departamento de Estado norte-americano, Marco Rubio, durante um depoimento na Comissão de Relações Exteriores do Congresso.
No STF, ministros avaliam que era importante que o julgamento das plataformas fosse retomado para pontuar que a Corte não deixará de analisar o tema e tomar uma decisão mesmo diante do cenário de ameaças.
Toffoli e Fux alinhados
O Supremo julga a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, norma que estabeleceu os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. De acordo com o dispositivo, "com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura", as plataformas só podem ser responsabilizadas pelas postagens de seus usuários se, após ordem judicial, não tomarem providências para retirar o conteúdo.
No atual quadro, os dois votos proferidos pelos relatores, Fux e Dias Toffoli, foram pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil e que, em casos de conteúdos ofensivos ou ilícitos, as plataformas digitais devem agir a partir de uma notificação extrajudicial, sem necessidade de ordem judicial.
Toffoli defendeu que, nos casos de conteúdos ofensivos ou ilícitos, como racismo, as plataformas digitais devem agir a partir do momento que forem notificadas de forma extrajudicial. Ou seja, pela vítima ou seu advogado, sem necessidade de aguardar uma decisão judicial.
— Parece-me evidente que o regime de responsabilidade dos provedores de aplicação por conteúdo de terceiros, previsto no artigo 19 do MCI (Marco Civil da Internet), é inconstitucional. Seja porque, desde sua edição, mostra-se incapaz de oferecer proteção efetiva aos direitos fundamentais (...), seja porque não é apto a fazer frente aos riscos sistêmicos que surgiram nesses ambientes a partir do desenvolvimento de novos modelos de negócios — afirmou.
Relator da outra ação, Fux também considerou que o artigo 19 do Marco Civil é inconstitucional. Durante seu voto, Fux afirmou que existe um "déficit de proteção" dos direitos no ambiente digital e disse que hoje as plataformas não têm "estímulo" para remover conteúdos ilícitos e criminosos, observando que se cria uma "terra sem lei".
— Olha que zona de conforto, a plataforma chega e diz eu não tenho condições, não tem como tirar, isso é para garantir a liberdade dos negócios. E como garante a liberdade dos negócios? Degrada a liberdade das pessoas — observou Fux.
Barroso defendeu meio termo
Autor de um voto considerado intermediário, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, defendeu que as plataformas digitais devem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros caso deixem de tomar as providências necessárias para remover postagens com teor criminoso. Para ele, o artigo 19 não dá proteção suficiente a direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, e a valores importantes para a democracia.
— Não há fundamento constitucional para um regime que incentiva que as plataformas permaneçam inertes após tomarem conhecimento de claras violações da lei penal — disse.
Quando votou, Barroso fez um apelo ao Congresso Nacional para que estudasse a criação de um regime jurídico para esse tema que regule as medidas necessárias para avaliar e minimizar riscos, defina as sanções e crie órgão regulador responsável pela análise de conformidade das plataformas.
Fonte: Globo.com