Câmara aprova isenção de IR até R$ 5.000 e imposto mínimo para alta renda, em votação unânime
Promessa de campanha de Lula, medida ainda precisa passar pelo Senado para valer em 2026. Além da isenção, trabalhadores com renda até R$ 7.350 terão desconto no imposto

A Câmara dos Deputados deu sinal verde para uma das principais promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês. O plenário aprovou nesta quarta-feira (1º) o projeto, que ainda precisa passar pelo Senado Federal antes de começar a valer em 2026.
Além de promessa da última campanha, a isenção do IR também é a principal aposta do PT para alavancar a popularidade de Lula em ano eleitoral. A medida ainda inclui um desconto no imposto de quem ganha entre R$ 5.000 e R$ 7.350 mensais.
Ao todo, a desoneração da base da pirâmide de renda deve beneficiar até 16 milhões de contribuintes a um custo de R$ 31,2 bilhões no ano que vem, segundo o relator, deputado Arthur Lira (PP-AL). Para compensar a perda desses recursos, o governo propôs a criação de um imposto mínimo sobre a alta renda, também aprovado apesar das resistências.
O projeto do IR teve apoio unânime do plenário, com 493 votos favoráveis e nenhum contrário. O apoio veio tanto de parlamentares da base aliada quanto do centrão e da oposição. Todos os partidos orientaram a favor da medida, em um desfecho classificado como histórico tanto pela cúpula da Câmara quanto por integrantes do governo. Para Lira, a unanimidade foi "surpreendente".
"Encerramos essa votação em um dia histórico para o Brasil e para esta Casa. A aprovação da isenção de Imposto de Renda é um marco de justiça fiscal, mas também de união. Aqui demonstramos que, quando o tema é o bem-estar das famílias brasileiras, não há lados nem divisões. É interesse do país", afirmou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), minutos antes de encerrar a votação.
"Um dia histórico. Começamos a enfrentar nossa principal chaga: nossa inaceitável desigualdade", escreveu o ministro Fernando Haddad (Fazenda) na rede social X (ex-Twitter). Dois de seus auxiliares, os secretários Robinson Barreirinhas (Receita Federal) e Marcos Pinto (Reformas Econômicas), além da ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) acompanharam a votação dentro do plenário.
O presidente Lula classificou o resultado de "vitória em favor da justiça tributária e do combate à desigualdade no Brasil" e agradeceu a Motta e Lira pela aprovação do projeto. O petista ainda demonstrou confiança de que a proposta também terá amplo apoio do Senado.
Apesar das resistências de parte dos deputados, Lira manteve em seu parecer a proposta do governo de criar um imposto mínimo de 10% sobre a alta renda. O alvo da medida são 141 mil contribuintes que recolhem, em média, uma alíquota efetiva de 2,5% —abaixo do que pagam profissionais como policiais (9,8%) e professores (9,6%).
A alíquota efetiva reflete a proporção de impostos recolhidos em relação à renda total. Embora a tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) preveja cobranças de até 27,5%, a legislação prevê uma série de deduções (como despesas médicas) e rendimentos isentos (como dividendos de empresas), que servem para reduzir o peso do tributo.
Para a equipe de Haddad, essa estrutura é injusta, uma vez que são os contribuintes de maior renda que se beneficiam dessas deduções e isenções. A pasta elaborou estudos em que concluiu que taxar a alta renda melhor a desigualdade, e o governo deflagrou uma ofensiva nas redes sociais em defesa da medida.
Pela proposta, o chamado imposto mínimo será cobrado progressivamente de quem ganha a partir de R$ 50 mil mensais (cerca de R$ 600 mil anuais), sempre que a cobrança regular tiver ficado abaixo do piso estipulado. O mínimo de 10% vale para rendas a partir de R$ 1,2 milhão ao ano, e a cobrança será feita pela diferença: se o contribuinte já recolheu 2,5%, o imposto devido será equivalente aos outros 7,5%.
A implementação da isenção para quem ganha até R$ 5.000 depende diretamente da aprovação dessa medida de compensação. Trata-se de uma exigência da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e uma necessidade do governo para não desequilibrar o Orçamento.
Como mostrou a Folha, a isenção para a base da pirâmide era consenso entre os deputados, mas a batalha no plenário se daria em torno da compensação. Durante o último mês, parlamentares da oposição e de parte do centrão se movimentaram para tentar derrubar o aumento do IR para os mais ricos, o que não prosperou no plenário.
"Se falava muito: 'ah como vamos resolver as compensações?', mas na verdade todos que votaram aqui votaram também, mesmo contrariados, a favor das compensações", afirmou o deputado Afonso Motta (PDT-RS) durante a sessão.
Na última versão do seu relatório, apresentada nesta quarta, Lira incluiu a previsão de repasse trimestral a estados e municípios que tiverem perdas de arrecadação com as mudanças na tributação. O parlamentar também estipulou que os rendimentos com debêntures incentivadas de infraestrutura não serão alvo do imposto mínimo.
Lira ainda fez alterações para explicitar o prazo pelo qual a distribuição de lucros e dividendos auferidos pelas empresas até 31 de dezembro de 2025, sob a regra atual que isenta esses rendimentos, permanecerá livre da incidência de imposto.
A previsão era que, após a sanção da nova lei, a Receita Federal publicasse uma norma estipulando um prazo de três anos para o pagamento desses dividendos livres de imposto, mas houve o temor de que o governo bloqueasse essa reivindicação. Por isso, o relator incorporou o acordo ao texto do projeto de lei, explicitando essa garantia até 2028.
Lira também fez alterações para garantir que recursos dedicados pelas instituições ao Prouni (Programa Universidade Para Todos) sejam considerados como imposto pago pelas pessoas jurídicas na hora de calcular a alíquota efetiva das empresas.
O relator ainda fez ajustes na tributação dos cartórios. O novo texto prevê que os repasses obrigatórios feitos ao Judiciários ficarão livres da incidência do imposto.
Lira rejeitou a maior parte das emendas apresentadas, pois muitas resultariam em renúncia adicional de receitas e não previam a devida compensação.
Para acelerar a votação, ele articulou uma estratégia para barrar a votação de destaques que poderiam alterar o texto final da proposta, incluindo aqueles que poderiam afetar a criação do imposto mínimo. Ele chegou a mudar seu parecer para derrubar uma proposta do Novo e do PSB que tentava emplacar a correção anual da tabela do IRPF pela inflação (obrigação que hoje não existe e poderia pressionar as contas públicas no futuro).
Numa tentativa de acordo, Lira incluiu um artigo que exige do Executivo o envio de um projeto de lei prevendo uma política nacional de atualização da tabela, no prazo de um ano, o que atendeu ao PSB. Ainda assim, o Novo insistiu no pedido de destaque. O relator então decidiu alterar seu parecer para declarar a inadequação financeira da medida e, assim, derrubar a estratégia do Novo.
Antes da votação, uma medida aventada por representantes do centrão foi incorporar ao projeto do IR as medidas de aumento de impostos apresentadas pelo governo na MP (medida provisória) 1.303, de junho deste ano. A equipe econômica, porém, rejeitou essa opção porque conta com a arrecadação das duas medidas (MP e imposto mínimo) para fechar as contas de 2026.
O texto do IR foi aprovado em comissão especial no mês de julho. No mês seguinte, os deputados aprovaram o regime de urgência do projeto, que acelera a tramitação.
Sua aprovação em plenário ocorre mais de seis meses após a apresentação da proposta pelo Executivo e representa uma tentativa do Legislativo de retomar a pauta econômica após a repercussão negativa de temas encampados pelo centrão, como a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Blindagem e a anistia aos condenados por atos golpistas.
Diante do desgaste na opinião pública, inclusive com manifestações nas ruas, a votação do IR e projetos de segurança pública se tornaram a aposta de Hugo Motta para tentar demonstrar o avanço de propostas de impacto para a população.
ENTENDA AS MUDANÇAS NO IMPOSTO DE RENDA
Isenção maior e desconto no imposto
- O projeto isenta de Imposto de Renda os contribuintes com renda mensal de até R$ 5.000. Para isso, o texto prevê um desconto de até R$ 312,89 no imposto que seria devido pelo trabalhador, de modo que o valor a ser pago seja zero.
- Quem ganha de R$ 5.000,01 a R$ 7.350 por mês não será isento, mas terá um desconto no imposto, que vai diminuir progressivamente conforme a renda aumenta. Para saber quanto será a redução do tributo, basta aplicar a seguinte fórmula: R$ 978,62 - (0,133145 x rendimentos tributáveis mensais). Na prática, quanto mais próximo de R$ 7.350 for o ganho mensal, menor será o desconto, até que ele chegue a zero.
- Quem ganha mais de R$ 7.350 por mês não terá benefício adicional assegurado pelo projeto, ou seja, a cobrança de Imposto de Renda segue o modelo atual.
Imposto mínimo para os mais ricos
- Pessoas físicas que recebem rendimentos acima de R$ 600 mil por ano (o equivalente a R$ 50 mil por mês) estarão sujeitas à cobrança do imposto mínimo, que terá uma alíquota progressiva de 0% a 10% para rendimentos de R$ 600.000,01 a R$ 1.199.999,99. A partir de R$ 1,2 milhão, a cobrança mínima será sempre de 10%.
- O valor efetivamente devido pelo contribuinte vai depender do quanto ele já recolhe habitualmente sobre suas fontes de renda, ou seja, quanto é a sua alíquota efetiva. Se o imposto pago já tiver sido maior que 10% da renda, não haverá necessidade de cobrança adicional. O imposto mínimo valerá para aqueles que ficarem abaixo desse patamar —na prática, contribuintes que são grandes recebedores de rendimentos isentos (como lucros e dividendos de empresas).
- Ainda que o imposto mínimo seja uma forma indireta de tributar os rendimentos isentos, o texto prevê exceções. Serão excluídos da base de cálculo os ganhos de capital (exceto os de Bolsa), heranças e doações, rendimentos de poupança, LCI, LCA, CRI, CRA, rendimentos de certos fundos imobiliários (FII) e Fiagros, e algumas indenizações.
Fonte: Folha de S. Paulo