Morre Bira Presidente, fundador do Cacique de Ramos e do Fundo de Quintal
Marcos da história brasileira: à frente de bloco que virou referência cultural e estética e de grupo que inventou instrumentos fincando bases que mudaram a trajetória do samba, músico de 88 anos enfrentava complicações relacionadas a câncer de próstata e Alzheimer

Morreu aos 88 anos, na noite deste sábado (14), o sambista Ubirajara Félix do Nascimento, mais conhecido pela alcunha artística de Bira Presidente. Fundador do bloco Cacique de Ramos e um dos criadores do grupo Fundo de Quintal, o bamba foi responsável por uma importante transformação no circuito das rodas de samba na capital fluminense, com a criação de uma estética sonora que prevalece até hoje no gênero musical. O músico, que estava internado no Hospital da Unimed Ferj, na Barra da Tijuca, enfrentava complicações relacionadas ao câncer de próstata e ao Alzheimer.
Nas redes sociais, diversos artistas manifestaram pesar pela morte do sambista. A longa lista inclui nomes como os cantores Belo, Xande de Pilares e Marcelo D2. Ainda não há informações sobre o local do velório e do sepultamento do músico, que deixa as filhas Karla Marcelly e Christian Kelly, os netos Yan e Brian, e a bisneta Lua, além de amigos e admiradores do seu trabalho em prol do samba.
Revolucionário do samba
Mais velho de quatro irmãos, filho de um serralheiro e de uma mãe de santo, Ubirajara Félix do Nascimento foi criado em meio às rodas de samba que Seu Domingos, o pai, o levava na infância, no subúrbio do Rio de Janeiro. Aos 7 anos, foi batizado na Estação Primeira de Mangueira, convivendo, então, com lendas do gênero musical, como Donga, João da Baiana, Pixinguinha, Carlos Cachaça, Aniceto do Império, entre outros bambas, todos amigos de seu pai.
Na juventude, ao lado dos irmãos e de amigos, criou um bloco para pular carnaval pelas ruas do bairro de Ramos, onde vivia — o cordão, inicialmente, tinha o nome de "Os homens da caverna". Depois, o grupo se fundiu com outros dois já existentes. Nascia, então, em janeiro de 1961, o Grêmio Recreativo Cacique de Ramos, tendo Bira como presidente.
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Na década seguinte, a conselho da mãe-de-santo Menininha do Gantois ("Ela dizia que eu tinha que buscar um lugar com uma árvore forte", contou, numa entrevista ao GLOBO), o carioca largou um emprego como funcionário público e se instalou sob os galhos resistentes de duas tamarineiras, num terreno em Olaria. Naquele espaço — sede oficial do Cacique de Ramos até hoje — frutificaram nomes como Jovelina Pérola Negra, Beth Carvalho, Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho, além do próprio grupo Fundo de Quintal, do qual Bira fez parte. A tamarineira, aliás, é uma atração à parte no terreiro: aos domingos, durante as rodas de samba, todos querem encostar em seus troncos, que têm a parte de baixo pintada de branco.
— Quem passa por aqui é agraciado pelas árvores, de alguma forma. Gente de todo o Brasil vem fazer pedidos. Em dias de feijoada, recebemos uma média de 15 ônibus. Fica até difícil circular — celebrou Bira, na mesma entrevista ao GLOBO, em 2018.
Sob a sombra da espécie frondosa, o samba viveu uma revolução. Até aquele período, o gênero musical se resumia a "surdo, tamborim, violão, entre outras coisas", como costumava rememorar Bira. Junto aos irmãos Ubirany, que morreu em 2020, e Sereno — todos parte do grupo Fundo de Quintal —, os músicos introduziram novas sonoridades às rodas de samba, com a criação de instrumentos a partir de elementos simples do dia a dia, como baldes, latas e papel de cimento. Assim surgiram o tantã, o repique de mão, o banjo de quatro cordas adaptado para o samba... Bira
Já no final dos anos 1970, Bira participou de um show no Teatro Opinião com um grupo de samba formado, no qual ele tocava pandeiro. Ubirany (repique de mão), Sereno (tantã), Almir Guineto (banjo), Jorge Aragão (violão), Sombrinha (violão) e Neoci (tantã) completavam o grupo. O show foi batizado de "Samba é no fundo de quintal", mesmo nome do disco que lançaram em 1980. Era o início de um dos mais emblemáticos grupos de samba da história, que revelou, além dos integrantes originais, outros nomes que vieram depois, como Arlindo Cruz.
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Um dos marcos culturais que envolvem Bira é o trabalho do artista plástico Carlos Vergara com o Cacique de Ramos. Um dos registros foi o livro "Carnaval-Ritual: Carlos Vergara e Cacique de Ramos" (finalista do 64º Prêmio Jabuti), do escritor e professor universitário Maurício Barros de Castro. “Tudo isso faz deste livro um documento histórico e de crítica cultural precioso”, explica, no prefácio da obra, o curador Luiz Camillo Osório.
O livro traz uma análise do encontro entre Vergara e o Cacique. Naquele momento, nos anos 1970, ele decidiu voltar "seu olhar e sua câmera fotográfica" para o carnaval de rua do Rio, mais precisamente para o bloco Cacique de Ramos, momento em que Bira (enquanto liderança máxima e fundador do bloco) passa a ser a parceria de Vergara para a obra.
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Cacique de Ramos
O estrelato do Cacique de Ramos veio por meio de Beth Carvalho, que gravou em 1978 o álbum De Pé no Chão. Em 2005, virou Patrimônio Cultural Carioca e, em 2012, enredo da Estação Primeira de Mangueira. Outro frequentador ilustre foi Zeca Pagodinho.
Fundo de Quintal
Além de Bira Presidente (pandeiro e vocais), o grupo de samba formado no final dos anos 1970 tem como sua formação mais recente Sereno (tantã e vocais), Ademir Batera (bateria e vocais), Júnior Itaguay (cavaquinho e vocais), Márcio Alexandre (banjo e vocais) e Tiago Testa (repique de mão e vocais). Ao longo do tempo foram 33 álbuns lançados, entre trabalhos de estúdio e ao vivo.
Ao longo dos anos, diferentes músicos participaram do grupo, como Walter Sete Cordas, Cleber Augusto, Mário Sérgio, Ronaldinho, Flavinho Silva, Délcio Luiz e Milsinho.
Fonte: Globo.com