Compra e venda de dólares no dia do anúncio do tarifaço de Trump ao Brasil dá sinais sobre uso de informações privilegiadas

Num intervalo de três horas, pessoas tiveram lucros milionários com tarifas impostas aos produtos brasileiros de exportação. Situação similar ocorreu quando o presidente americano anunciou tarifas contra a África do Sul e a União Europeia.

Compra e venda de dólares no dia do anúncio do tarifaço de Trump ao Brasil dá sinais sobre uso de informações privilegiadas
Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. — Foto: Jose Luis Magana/AP Photo

A chantagem de Donald Trump ao impor tarifas sobre produtos brasileiros de exportação foi uma medida completamente fora dos padrões da diplomacia e das relações comerciais entre os países e, por isso, mesmo provocou uma surpresa enorme. Mas um movimento muito estranho de compra e venda de dólares no dia do anúncio do tarifaço dá sinais de que nem todo mundo se surpreendeu. E teve quem ganhasse muito dinheiro com ele.

Guarde esse horário: 16h17. Dia 9 de julho. Foi o horário exato em que o presidente americano, Donald Trump, publicou a carta nas redes sociais em que anuncia tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros. Mesmo os assessores próximos foram pegos de surpresa. Mas não todo mundo.

O gráfico mostra a cotação do dólar em relação ao real no dia 9 de julho. Vamos direto para o horário do anúncio: 16h17. Nesse momento, muita gente começa a comprar dólar e vender real. A moeda americana valoriza muito, passa dos R$ 5,58. Isso aqui era esperado: que muita gente fosse vender a nossa moeda para se proteger da desvalorização dela.

O que não era esperado era o seguinte. Vamos voltar um pouquinho no tempo. Você está vendo que, durante o dia inteiro, a cotação oscila dentro da normalidade? Só que, quando chega às 13h30, alguém compra uma quantidade enorme de dólares apostando contra o real.

"US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões", afirma Spencer Hakimian, dono de um fundo de investimentos em Nova York. Ele acompanha o mercado financeiro em tempo real para fazer lucro para os clientes dele e disse que um salto como esse que a gente vê às 13h30, tão abrupto, foi causado por alguém que disse:

"Eu quero fazer a transação rápido e não quero que ninguém veja”.

Ou seja, de acordo com Spencer, alguém comprou de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões às 13h30, a R$ 5,46. E aí, dois minutos depois do anúncio, vendeu a R$ 5,60 - quase a mesma quantidade. A gente consegue ver isso no gráfico porque uma quantidade é muito parecida com a comprada às 13h30. Spencer diz que essa aposta pode ter rendido de 40 a 50% do investimento em três horas.

A pergunta é: como uma pessoa poderia ter tanta certeza de que viria, naquela tarde, uma política econômica que desvalorizaria o real para fazer uma aposta tão grande? Spencer defende que as tarifas sobre o Brasil não fazem sentido econômico, porque os Estados Unidos vendem mais para a gente do que compram. Ele explica:

"Não é o padrão normal das transações com o real naquele dia. Então, pode ter sido qualquer um que sabia desde o começo. E vamos ter que esperar para ver quem realmente foi”.

O caso do Brasil não é isolado. O mesmo aconteceu quando Trump anunciou tarifas contra a África do Sul. A aposta foi grande na desvalorização da moeda sul-africana minutos antes do anúncio. A mesma coisa pouco antes de Trump anunciar tarifas contra a União Europeia. A mesma coisa antes de ele anunciar tarifas contra o México e o Canadá. No dia 9 de abril, às 9h37, Donald Trump postou nas redes sociais:

"É uma hora excelente pra comprar!”.

Às 13h18, ele anunciou uma pausa de 90 dias sobre todas as tarifas, e a bolsa subiu. Quem comprou lá na hora do post ganhou dinheiro. Trump recebeu bilionários donos de fundos de investimentos na Casa Branca e comentou que, por causa desse movimento de mercado, eles ganharam, juntos, mais de US$ 3 bilhões.

Esse caso acendeu o alerta da oposição no Congresso. Parlamentares democratas afirmaram que pessoas próximas a Trump podiam estar usando informações privilegiadas para benefício próprio no mercado financeiro. Pediram uma investigação, mas, com a oposição sendo minoria na Câmara e no Congresso, nenhum inquérito foi para frente.

A imprensa americana relatou a preocupação dos deputados e senadores com essas possíveis operações ilegais. O jornal “The New York Times” levantou a questão:

"Teria Trump manipulado o mercado financeiro?". A Casa Branca negou que tenha havido algum tipo de favorecimento.

Mas Trump está consciente de que as ações dele têm impacto imediato no mercado. Não dá para saber quem foi a pessoa, ou as pessoas, que apostaram bilhões na desvalorização do real antes do anúncio oficial. Nem nos casos semelhantes, das tarifas a outros países. Porque só os órgãos reguladores e os grandes bancos têm acesso a essa informação. Por isso, é difícil provar a origem dessas movimentações.

Só que fazer transações financeiras com informação privilegiada é crime. O professor Paul Johnson é diretor do Centro de Análises de Segurança Global da Fordham University. Ele atendeu o Jornal Nacional no intervalo de uma reunião na Bolsa de Valores Nasdaq. Ele afirma que a transação feita no dia do anúncio das tarifas ao Brasil foi de alguém que sabia o que iria acontecer mais tarde. E mais: sabia o que fazer com a informação, como fazer a transação e a hora certa de desfazê-la.

Ele afirma que a chance de haver uma investigação sobre o caso é mínima, porque, se a transação foi feita por alguém ligado ao governo ou ao Congresso, ninguém investiga. Porque os responsáveis por uma investigação sobre isso seriam o Departamento de Justiça e a Comissão de Valores Mobiliários e Câmbio dos Estados Unidos. Ambos ligados ao governo federal, portanto, sob controle de Donald Trump.

O Jornal Nacional pergunta a Spencer se ele acredita que possa haver uma investigação sobre quem está ganhando tanto dinheiro com o anúncio das tarifas. Ele disse que deveria haver uma investigação, mas que duvida que isso aconteça, porque Trump demitiria qualquer um que liderasse essa iniciativa. O que ninguém discorda é que a instabilidade pode ser muito boa para poucos eleitos.

Fonte: Globo