Com forte alta no IPCA do ano, preço médio de passagens aéreas atinge novo valor recorde em 2023

Levantamento da Anac mostra que a média mensal chegou a R$ 747 em setembro, maior valor desde 2010. Situação deve piorar no final de ano, pois as passagens foram o item de maior peso no IPCA de outubro e novembro. Especialista aponta endividamento das empresas como principal justificativa.

Com forte alta no IPCA do ano, preço médio de passagens aéreas atinge novo valor recorde em 2023
Movimentação no Aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo, em foto de agosto de 2023. — Foto: MARCO AMBROSIO/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

O preço médio das passagens de avião para voos domésticos em setembro, de R$ 747,66, foi o maior já registrado desde o início da série histórica, segundo levantamento feito pelo g1 com base em dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

O cálculo da agência considera a média de preço de todos os assentos comercializados no período, sem contar taxas aeroportuárias, com valores corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Esta metodologia começou a ser adotada em junho de 2010, e o último dado disponível se refere a setembro deste ano.

E a tendência é de piora para os próximos meses: as passagens aéreas foram o item de maior peso no IPCA de outubro e novembro. Já considerando os resultados do mês passado, divulgados nesta terça-feira (12) pelo IBGE, a alta acumulada das passagens aéreas é de 35,24% no ano.

Segundo especialista, o endividamento das empresas é o principal fator que explica os preços altos, uma vez que houve uma estabilização do dólar e queda no preço da Querosene de Aviação (QAV) em relação a 2022. (leia mais abaixo)

Em meio às negociações para o lançamento do programa “Voa Brasil”, que pretende oferecer passagens a R$ 200, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, se reuniu em novembro com as companhias aéreas para que elas se comprometam a apresentar um plano para a redução dos preços das tarifas.

A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), que representa empresas como Gol e Latam, disse que a aviação comercial global ainda sofre com impactos negativos na cadeia de suprimentos devido ao efeito pandemia e ao atual cenário de instabilidade na geopolítica mundial.

"A aviação é um setor fortemente afetado pelo câmbio do dólar, que representa 60% dos custos de uma companhia aérea. O dólar aumentou 19% de 2019 a 2022 e o preço do querosene de aviação (QAV), que corresponde por 41% dos custos das empresas aéreas, subiu 145% em 10 anos", diz a Abear.

Nos cálculos da associação, a tarifa média doméstica em 2023, de janeiro a setembro, teve alta de 14% em relação a 2019 (pré-pandemia), e o QAV subiu 86%.

A Azul afirmou que "os preços praticados variam de acordo com alguns fatores importantes, como trecho, sazonalidade, compra antecipada, disponibilidade de assentos, entre outros. Fatores externos, como a alta do dólar, o preço do combustível e conflitos internacionais são elementos que também influenciam nos valores das passagens."

O que interfere no valor?

O cálculo da tarifa média se baseia em todos os assentos comercializados em um determinado período, mas passagens compradas em cima da hora do voo, por exemplo, tendem a ser bem mais caras do que as compradas com antecedência. Veja, abaixo, fatores que influenciam no preço final pago pelo consumidor:

  • Cotação do dólar: parte dos custos da aviação são dolarizados, ou seja, seguem padrão internacional vinculado ao preço da moeda americana.
  • Preço do combustível: segundo a Abear, o preço do querosene de aviação (QAV) responde a cerca de 40% dos custos operacionais das companhias.
  • Demanda de passageiros: houve uma grande queda da demanda por viagens aéreas durante a pandemia, que ainda não foi recuperada.
  • Sazonalidade: períodos de férias escolares, festas de fim de ano e feriados podem influenciar no preço devido ao aumento da procura por determinados trechos.
  • Compras de última hora: passagens compradas com antecedência tendem a ser bem mais baratas que as compradas de última hora.

Segundo André Castellini, especialista no setor aéreo e sócio da Bain & Company, o aumento do endividamento das empresas durante a pandemia ajuda a explicar por que os preços das passagens não estão caindo, mesmo diante de um cenário de estabilização do dólar e queda do preço dos combustíveis.

"Petróleo e querosene são os componentes principais de custos operacionais. Mas se você olha o que mudou nas empresas aéreas brasileiras nos últimos anos, foi um aumento muito grande do endividamento. A pandemia gerou um buraco enorme de caixa para essas companhias. Elas só conseguiram renegociar suas dívidas que estavam vencendo a um custo muito mais alto", afirma Castellini.

Em 2022, o preço médio da Querosene de Aviação (QAV) atingiu o maior valor da série histórica da Anac em julho, negociado a R$ 5,83 o litro. No entanto, houve uma tendência de queda gradual ao longo de 2023, chegando ao valor de R$ 3,64 em agosto deste ano.

Já a demanda de passageiros ainda não recuperou o mesmo patamar de antes da pandemia. Segundo a Anac, em setembro de 2023 foram transportados 7,6 milhões de passageiros, o que representa aumento de 5,1% em relação ao mesmo mês de 2022. Mas há queda de 2,9% em relação ao mesmo período de 2019.

"Se você olha o valor de mercado da Azul e da Gol — a Latam não dá para comparar, porque pediu concordata —, você vê que estão valendo cerca de um terço do que valiam antes da pandemia. [...] Em um cenário em que as companhias ainda estão batalhando para se manter viáveis, elas não vão colocar mais capacidade. E aumentar a oferta também não é fácil por causa dos gargalos aeroportuários", afirma Castellini.

Para o especialista, não há uma saída fácil para a reversão deste cenário em curto prazo.

"O transporte aéreo é um transporte que tem como característica principal a conveniência, mas em qualquer lugar do mundo é um transporte caro comparado a alternativa rodoviária. Eu acho que as grandes distorções que tinham já foram corrigidas: abriram para o capital estrangeiro, privatizaram aeroportos, já reduziu bastante o ICMS dos combustíveis. O que ajudaria é ter um dólar mais baixo, mas isso é um tema macroeconômico que envolve a redução do 'risco país'."

Fonte: G1