Cleo sobre a chegada dos 40 anos: "Me sinto melhor e mais em sintonia com meus valores"

Cleo sobre a chegada dos 40 anos: "Me sinto melhor e mais em sintonia com meus valores"
Cleo é capa da Quem (Foto: Ernna Cost)

A chegada de Cleo foi, literalmente, anunciada na televisão. “O Chacrinha divulgou meu nascimento, todo mundo realmente acompanhou”, conta a atriz, cantora e produtora, que neste domingo (2), completa 40 anos. Da revelação no programa de auditório aos dias de hoje, ela deixou para trás o Pires da mãe, Gloria, abraçou sua carreira e a dos pais, Fábio Jr. e Orlando Morais, e trilhou seu próprio caminho, abrindo portas não só para si como para outras mulheres. “Toda vez que eu escolho falar publicamente sobre alguma coisa, é porque aquilo não é só sobre mim, é sobre o fato dessas dores atingirem outras pessoas também”, diz ela, que debate há tempos temas como feminismo, machismo, empoderamento e relacionamentos tóxicos.

Na conversa de mais de uma hora em videochamada, Cleo assume que já sofreu com a síndrome de impostora, que ressalta atingir mais às mulheres – falar do universo feminino e suas lutas é uma constante para ela, que desde cedo entendeu que o mundo era outro para os homens. “Os meninos eram muito estimulados a ter namorada, a fazer sacanagem, a meter porrada. E se você é uma mulher e faz isso, fica de castigo”, lembra. Para as fotos desta capa, fez uma releitura de seu ensaio para a revista Playboy, há 12 anos, um marco na sua vida e na publicação. É que ela fez questão que não fossem retocadas “imperfeições” como celulite e gorduinhas a mais.

“Eu queria que ficassem ali, porque faziam parte de mim”, conta, explicando que posar nua foi também dar voz a um desejo maior. “Durante muito tempo, eu abafei esse meu lado mais exibicionista e que gosta de coisas sensuais e sexy, porque eu não queria ser objetificada. Chegou um momento que, para mim, não era justo eu não poder expressar as coisas que sentia legitimamente dentro de mim, as minhas vontades, os meus desejos estéticos e ideológicos, de não viver isso por causa de uma sociedade que ia me objetificar”, aponta.

Ficar confortável na própria pele é um processo em andamento. Cleo já teve fases de se esconder por estar acima do peso e precisou se espelhar em mulheres fora do padrão, famosas e anônimas, para se libertar das amarras que criou. Cuidou da saúde física ao descobrir que tinha uma doença autoimune na tireoide e viu “muita coisa se encaixar” ao ser diagnosticada, na pandemia, com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade). “Não me dava muito bem no sistema escolar, eu fui descobrir que gostava de estudar depois que eu saí da escola, porque na minha cabeça eu era muito burra e odiava estudar. E não era isso, era só porque minha cabeça funcionava diferente”, conta.

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Cleo (Foto: Ernna Cost)

“O diagnóstico me libertou, porque entendi que não estava louca, era uma forma que o meu cérebro funcionava e que existia uma forma de lidar com isso e que ia fazer minha vida ser melhor”, afirma, fazendo uma ressalva. “O diagnóstico não te define. É uma ferramenta de autoconhecimento, é mais uma coisa que você conhece sobre você e que pode agora usar seu favor. Eu não sou definida pelo meu TDAH. Eu tenho TDAH, não é ele que me tem”, estressa.

Artista multifacetada, Cleo estreou como atriz aos 11 anos, ao lado da mãe, em O Memorial de Maria Moura (1994). Fez novelas como América (2005), Caminho das Índias (2009), e Salve Jorge (2012), e os filmes Operações Especiais (2015) e Mais Forte que O Mundo - A História de José Aldo (2016). Tem dois longas para 2022, um deles O Velho Fusca, do qual é produtora e protagonista. Participou da Semana de Moda internacional, em Nova York, nos Estados Unidos, e fez sua estreia no Rock in Rio, no show do Number Teddie, com a mãe e as irmãs, Antonia e Ana Morais, na plateia. "Não posso nem lembrar que me dá vontade de chorar. Foi bem emocionante", diz ela, que prepara seu primeiro álbum para breve.

O próximo lançamento de Cleo é um single e videoclipe homônimo ao livro Todo Mundo que Amei já me Fez Chorar, que virou web série no Instagram da atriz, discutindo relações tóxicas de vários tipos. Experiência pela qual ela já passou em relacionamentos anteriores. Em 2021, Cleo se casou com o modelo Leandro D'Lucca. "Ele me mostrou que a gente podia ser parceiro de igual para igual, que não ia ter joguinho de poder, que íamos ser amigos além da paixão", conta ela.

"Eu não tinha uma loucura para casar. Também nunca sentia que era o momento e dessa vez, senti", explica, acrescentando que filhos estão nos planos do casal. "Eu sempre quis ser mãe, sempre cogitei que esse momento ia acontecer na minha vida. E continuo cogitando. A gente quer, Leandro adora ser pai (de Gael, 9), e queremos muito viver essa maternidade e a paternidade", adianta.

Você está completando 40 anos. Para muita gente é um momento de ponderar, olhar para trás para poder olhar para a frente. E você?
Os 40 não estão me fazendo ponderar, eu sempre ponderei. Sou muito libriana nesse aspecto, sempre ponderei muito como tinha sido o meu trajeto até onde eu estava, o que queria para depois. De fato, amadurecer tem sido muito bom. Eu não trocaria meus 40 pelos meus 20, nem pelos meus 30 e por nenhuma outra idade. Acho que o tempo de vida me fez entender melhor meus processos, ficar mais à vontade com a existência e ir de encontro a muitas coisas da minha essência, que vivendo e sobrevivendo, às vezes, são deixadas para trás sem querer. A idade só me faz ficar mais próxima da minha essência, então realmente não tem um peso para mim. Não é: 'ai, quero dizer que não tem peso porque todo mundo diz [que tem]', não é isso. É porque me sinto muito melhor e muito mais feliz, muito mais bonita e muito mais legal, e muito mais em sintonia com os meus valores do que antigamente.

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Você está mais confortável com a mulher que você se tornou, se sente à vontade com quem você vê no espelho?
Eu acho que esse desejo de estar sempre muito à vontade é muito legal como um objetivo, mas é um processo. Não estou sempre à vontade na minha pele, não estou sempre satisfeita comigo, e é normal isso. Mas, no geral, sim, estou muito mais à vontade comigo e na vida.

As fotos dessa capa são inspiradas no seu ensaio da Playboy. De onde veio a ideia?
Foi um conceito do Ernna Cost, que é fotógrafo e meu amigo. A gente queria refazer aquela capa de outro jeito. Eu amei, porque a Playboy foi um marco na minha vida.

Foi uma capa sem retoques, certo?
Na verdade, teve retoques porque tinha um padrão de imagem para imprimir no papel. Mas eu não queria que tivesse retoque de coisas que a gente chama de defeitos, mas que não são defeitos, como celulite, gordurinha a mais, ‘imperfeições’ que queria que que ficassem ali, porque faziam parte de mim.

O que é algo de que se fala muito hoje, mas que há 12 anos nem era pauta.
Com certeza. Não se falava nisso, mas para mim era importante, porque antes de eu me considerar feminista, muito nova, eu tinha uma noção instintiva de como a mulher era objetificada e usada e isso me incomodava muito. Então, durante muito tempo, abafei esse meu lado mais exibicionista e que gosta de coisas sensuais e sexy, porque eu não queria ser objetificada, não queria ser usada dessa forma. Chegou um momento que para mim não era justo não poder expressar as coisas que sentia legitimamente dentro de mim, as minhas vontades, os meus desejos estéticos e ideológicos, de não viver isso por causa de uma sociedade que ia me objetificar. A capa da Playboy foi esse marco para mim.

De que forma?
Não fazia sentido eu camuflar a realidade do que o meu corpo era no momento. Eu não estava preocupada com a perfeição ou que era considerado perfeito, estava preocupada em quebrar aquele paradigma dentro da minha cabeça. E sabendo que muitas vezes eu estava ali vivendo meus desejos e quebrando paradigmas para mim, mas ao mesmo tempo eram fotos que podiam ser usadas de forma velada para oprimir outras mulheres, porque isso acontece. Eu não queria que as pessoas vissem uma coisa plastificada, não que eu seja contra, mas eu não queria, não era o intuito do momento.

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Ali você botou para fora o 'mulherão' que você era?
Não, eu já era um mulherão. Mas ali, me libertei de certas amarras que eu tinha. Não tinha medo de julgamento, mas não queria ser objetificada. Não queria ser vista como se eu tivesse valor por causa da minha sexualidade ou da minha beleza ou do que normalmente a sociedade usa em relação às mulheres para que elas tenham valor. Só que fui entendendo que eu também tinha desejos individuais e não era justo me privar de fazer uma coisa que eu não estava fazendo mal a ninguém, que era em relação a mim, com meu corpo, com a minha vida, por causa de amarras sociais.

Você já contou que fez trisal e que fez sexo nos Estúdios Globo, falou muito abertamente sobre sexo, que ainda é um assunto tabu para muita gente. Isso também fez parte deste processo?
Eu acho que sim, que fazia parte da minha descoberta de mim mesma e de viver as coisas e as experiências da forma como elas se apresentavam. Ou seja, se existe uma pergunta sobre sexo ou um tema que seja sobre sexo, eu não vou me privar de falar sobre isso porque eu sou mulher.

Recebia feedback do seu público quando falava sobre sexo?
Tive bastante feedback desse tipo de coisa, de várias mulheres que falavam 'cara, eu adoro quando você fala sobre essas coisas, porque é muito ruim a gente sentir que não pode tocar nesses assuntos, porque senão fica estigmatizada e você tá lá falando, você não tá nem aí'. Era bom ouvir isso, mas também tinha um feedback de mulheres que achavam que eu era uma devoradora de homens e que eu ia acabar com a vida delas (risos). O retorno positivo me alimentava muito.

Foi vítima de machismo por falar sobre o tema?
Sim, mas mesmo se eu não falasse, seria vítima de machismo. Isso é só um outro tipo de sexismo, machismo e misoginia. Falando ou não, você sofre isso.

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Cleo (Foto: Ernna Cost

Quando você percebeu que por ser mulher era discriminada na sociedade, que não tinha tinha o mesmo tratamento que os coleguinhas na escola, que um primo?
Desde muito cedo, porque vi que os meninos eram muito estimulados a ter namorada, a fazer sacanagem, a meter porrada. E se você é uma mulher e faz isso, fica de castigo, está fazendo alguma coisa errada, é vista e tratada de outra forma.

Se sentia injustiçada?
Com certeza, porque são muitas coisas quando você vive em um sistema que oprime pessoas para que outros tenham privilégios e você faz parte dessas pessoas que são estruturalmente tratadas de forma diferente e menos importante, você se sente injustiçada, se sente sacaneada, se sente passada para trás.

Você já foi vítima de assédio?
Nada que eu possa compartilhar. Mas que tudo doeu. Já sofri assédio e sofri muito abuso psicológico e emocional. O que mais me marcou foram os terrorismos emocionais e psicológicos.

Já se pegou sendo machista?
Já. Faz bastante tempo que me policio muito com isso, porque realmente não quero perpetuar esse tipo de cultura, mas já julguei muito mulher que pegava todo mundo e não escondia, já julguei as roupas. Acho que todos os tipos assim de falas machistas, talvez meio veladas, eu já tenha tido. A gente, infelizmente, tem uma construção ao nosso redor que é muito tóxica em relação às mulheres

Todo Mundo que Amei Já me Fez Chorar vem daí?
Vem, vem desse entendimento sobre ser tóxico e como a gente vive isso no dia a dia o tempo inteiro e não se dá conta. E como é importante perceber e saber de onde aquilo está vindo, porque aí você sabe com quem está lutando, não fica perdida.

Em que momento você conseguiu identificar o que é um relacionamento tóxico?
Eu só reconheci anos depois. Não era uma discussão que a gente tinha. Eu sinto que era um mundo diferente, não havia acesso a diálogos sobre coisas tão importantes, sobre saúde mental, relações tóxicas, abuso, machismo, racismo, sobre tantos temas que são tão importantes. Hoje existe um diálogo muito aberto  que naquela época não existia. Não me culpo, era o zeitgeist [espírito do momento].

Você já foi a parte tóxica de uma relação?
Já. Eu acho que todo mundo já foi tóxico, até porque a gente achava que esse era o jeito certo de se relacionar, foi ensinado para nós muita coisa tóxica. O importante é você entender a sua parte nisso, evoluir e tentar desconstruir essas coisas que foram construídas dentro de você.

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Cleo (Foto: Ernna Cost)

O que é um comportamento tóxico para você hoje?
Ah, são muitos. Mas acho que o narcisismo é uma coisa muito prejudicial, relações com narcisistas são complicadas. O narcisismo é uma coisa que eu fico muito ligada assim para ver se está rolando.

Como você foi resolvendo suas dores ao longo da vida?
A terapia me ajudou muito, muito. E, por incrível que pareça, as redes sociais num ponto me ajudaram muito (ênfase) porque eu me deparei com muitas postagens que falavam sobre muitas coisas que eu sentia, que eu passava e que eu achava às vezes que eu estava louca. E essas coisas tinham nome: por exemplo, descobri online o que é o bode expiatório e como isso é usado dentro de uma dinâmica narcisista de relacionamento e isso me ajudou e muito. Então, a terapia me ajudou, poder falar sobre o assunto me ajudou, ter feedback das pessoas, que falavam 'cara, não estou louca então, que bom ver você falando sobre isso'... Eu também aprendi sobre essas coisas vendo as outras pessoas se expondo, se posicionando e falando.

Você já fala de machismo, de sexismo, de relação tóxica há muito tempo. Sente que deu a cara a tapa e abriu portas para outras mulheres que vieram depois?
Com certeza. Quando eu penso se eu vou falar publicamente sobre uma coisa ou não, não é só por causa das minhas dores, é porque começo a ver que essas dores são de outras pessoas também. Porra, eu tenho um puta lugar de privilégio, eu tenho acesso para caramba. Eu posso lidar com essas dores de uma forma diferente. Tem gente que não tem uma voz que é validada, que não tem dinheiro, que não tem acesso, que está num lugar superdesprivilegiado. Então, toda vez que eu escolho falar publicamente sobre alguma coisa, é porque aquilo não é só sobre mim, é sobre o fato dessas dores atingirem outras pessoas também. Mas eu não penso muito no resultado, não penso: 'nossa, uau, abri portas', eu penso, na verdade: 'nossa, quantas portas foram abertas para mim', eu penso na Vera Fischer, eu penso na Madonna, eu penso na Nina Simone, eu nessas portas que foram abertas para mim para que eu pudesse falar sobre isso.

Tem um vídeo no seu canal no YouTube em que você conta que há alguns anos, quando engordou, se escondia porque achava que estava na sua pior fase, mas que entendeu que não era nem uma fase pior nem que precisava se esconder. O que te fez virar a chave e ter essa compreensão?
Foi quando a Rihanna engordou e ela ligou o foda-se. Ela é uma superinspiração para mim. Então, ver aquela mulher que era uma puta inspiração, sexy symbol, engordar e continuar linda e continuar usando as coisas que ela queria usar, aparecendo e fazendo as coisas acontecerem... Aquilo foi libertador. E eu também comecei a consumir pessoas online que não tinham um corpo padrão e e isso foi me dando força, chão e mais abertura de pensamento.

E como você encontrou seu equilíbrio com seu corpo?
Eu não foquei em emagrecer. Eu descobri que eu tinha tireoidite de Hashimoto [inflamação autoimune crônica da tireoide], comecei a tratar através da alimentação e naturalmente eu emagreci. Também descobri que tinha TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) e que o treino fazia parte do tratamento. Não é só remédio, não é só terapia. A sua vida se torna vários momentos onde você tem que falar 'eu preciso fazer isso para minha cabeça'. 

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Cleo (Foto: Ernna Cost)

De que forma?
Eu preciso treinar para minha cabeça, preciso me alimentar bem para minha saúde e para minha cabeça. O foco não era emagrecer, o foco era ficar bem de saúde, não querendo dizer que se a pessoa está gorda, ela não está bem de saúde, mas, no meu caso, sim. Comecei a treinar mais, controlar muito a minha alimentação com coisas que não me inflamam por causa da minha tireoide, abri mão de comer muita coisa que eu amo. Como bem menos tranqueiras e fiz um tratamento com a minha terapeuta para começar a dormir melhor porque eu tenho muito insônia.  É um processo, não sei se eu achei o equilíbrio, mas eu me sinto mais perto de uma vida mais saudável e mais amorosa comigo mesmo.

Pode falar como chegou ao diagnóstico de TDAH?
Foi durante a pandemia. Eu estava um tempinho sem me tratar e achei um psiquiatra de quem eu gostei muito. Nas primeiras sessões, a gente conversando, ele falou 'eu vou fazer um teste com você, porque eu acho que você tem TDAH'. Fiquei bem assustada, pensei ‘de fato existe alguma coisa errada comigo'. Foi na mesma época que eu descobri minha Hashimoto, eu não conseguia fazer as coisas direito, eu dormia muito em horários que fazia o menor sentido, eu não tinha energia para nada. Depois eu vi que na verdade tem um lado muito bom no TDAH que você consegue ter um hiperfoco, achar soluções para coisas supercomplexas, ver ligações que a maior parte das pessoas não vê. Só que você tem certas dificuldades, como se concentrar na mesma coisa durante muito tempo se não for algo muito estimulante. Você é mais impulsiva do que o normal. O diagnóstico me libertou, porque eu entendi que eu não estava louca, era uma forma que o meu cérebro funcionava e que existia uma forma de lidar com isso e que ia fazer minha vida ser melhor.

Quando você era criança, você sentia, por exemplo, que não se encaixava em um padrão esperado na escola?
Com certeza, eu repeti o maternal para você ter uma ideia. Quem é que repete o maternal? Eu, só eu, porque era sempre muita dificuldade com regras, com autoridades, com um processo sistemático das coisas. Não me dava muito bem no sistema escolar, fui descobrir que gostava de estudar depois que saí da escola, porque na minha cabeça eu era muito burra e odiava estudar. E não era isso, era só porque minha cabeça funcionava diferente e dentro do sistema escolar daquela época, que era muito uma caixinha fechada, eu não conseguia. Então, eu sinto isso desde sempre.

E em casa?
A minha mãe nunca me botou pressão por ser boa uma aluna. Sempre que eu  falava: 'mãe, tem alguma coisa errada comigo, não sinto que a minha cabeça funciona do jeito que as pessoas funcionam', ela dizia: 'não, minha filha, é porque você é muito criativa, você é muito imaginativa, não tem nada de errado com você". Sempre partindo de um lugar superamoroso, materno, sem imaginar que realmente poderia ter alguma questão, não algo errado, mas algo que precisasse ser lidado de outra forma. Isso nunca foi uma questão para minha mãe se eu era boa aluna.

Você consegue relacionar o TDAH ao fato de ter interesses tão diversificados?
Tem um pouco, é uma curiosidade extrema sobre tudo, querer fazer parte mesmo, entender na pele como as coisas funcionam, como é viver aquelas experiências, é muito intenso. Acho que tem a ver com o meu TDAH, mas não só, porque o diagnóstico ele não te define. É uma ferramenta de autoconhecimento, é mais uma coisa que você conhece sobre você e que pode agora usar seu favor. Eu não sou definida pelo meu TDAH. Eu tenho TDAH, não é ele que me tem.

Falando da sua carreira, que é tão múltipla, quando você precisa preencher um formulário, o que escreve no campo profissão?
(Risos) Depende do espaço, mas, normalmente, eu coloco atriz, cantora e produtora.

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Cleo (Foto: Ernna Cost)

O que vem por aí?
Vou lançar meu primeiro álbum na verdade, porque eu só lancei EPs até hoje. Estou muito feliz, já queria ter lançado, mas coisas não dependem só de mim. São 13 músicas, sobre a vida, sobre as minhas experiências, sobre os meus desejos, sobre coisas de que eu gosto coisas e não gosto. É um álbum muito eclético e um retrato desses últimos três anos da minha vida. Foi um trabalho dolorido porque teve muita coisa que eu tive que revisitar dentro de mim e ao mesmo tempo muito divertido. Estou muito satisfeita com a qualidade das músicas, que são muito gostosas de ouvir.

O que você precisou revisitar dentro de você que foi tão dolorido assim para externar?
Relações, coisas que eu tinha vivido, coisas que eu tinha feito, momentos da vida que você entende depois. Ainda não tem um exemplo que eu possa dar.

Em que momento você sentiu que você olhou no espelho e falou ‘eu sou uma atriz, eu sou uma cantora’?
Acho que no momento que me tornei essas coisas, só que existe muita síndrome da impostora, principalmente entre nós mulheres. É uma coisa que não te larga muito, você vai trabalhando, vai entendendo que isso não é uma realidade, sim, você é uma atriz, sim, você é uma cantora. Você executa essas coisas, então, você é essas coisas. É uma questão que tem que ser trabalhada.

O peso da sua família, de ser filha de três pessoas talentosas e bem-sucedidas em suas áreas, teve parte nessa síndrome de impostora?
Minha questão não era me comparar. A minha síndrome de impostora vinha mais de um lugar de 'eu não mereço', porque você fica acostumada as pessoas te chamarem para as coisas, se interessarem por você por causa da sua mãe ou do seu pai e não por algo seu. Até você estabelecer dentro de você que você tem valor e que merece fazer o que está fazendo e ter o que você tem - merece no sentido não de meritocracia, mas de ter o direito de tentar a coisas.

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Isso é algo que você conseguiu passar para suas irmãs, Ana e Antonia, que também estão trilhando o caminho artístico?
A gente conversa bastante sobre essas coisas e na nossa família há um respeito muito grande pelo processo do outro. Eu tento não invadir nem atropelar o processo da Antonia ou da Ana, mas conversamos muito, nos identificamos nesse lugar que é muito aconchegante, tanto para mim quanto para elas. A gente não se sente sozinha.

Recentemente, você precisou vir a público rebater críticas ao fato de ter feito seu casamento religioso no candomblé. Como lida com esse preconceito com a religião, hoje mais acirrado que há 15, 20 anos?
Eu discordo um pouco, porque acho que sempre teve esse preconceito, só que ele era velado. Mas eu só tenho tenho vontade de falar sobre isso como eu falei. E não quero ficar postando nada em resposta o tempo inteiro à gente que só fala merda. Vou postar as coisas que quero postar na hora que eu quiser postar, do jeito que eu quiser postar.

Como foi sua aproximação com o candomblé?
Eu fui criada no espiritismo e na Igreja Messiânica, minha avó materna era da messiânica e a minha avó paterna, do meu pai Orlando, é espírita, minha família inteira, cresci nesse ambiente. Eu me aproximei do candomblé muito jovem, com uns 20 anos. Conhecia alguns pais de santo, mas não me identifiquei. Tive uma fase no espiritismo muito forte, tive uma fase na cabala muito forte, e agora eu estou numa fase muito próxima do candomblé. Eu encontrei um babalorixá que me entende completamente, eu me identifico muito com ele. É uma religião que sempre me abraçou, sempre me fez sentir em casa, na qual eu podia existir do jeito que eu existia. É uma religião que eu admiro muito, que eu amo e de que eu gosto de estar próxima.

O que é fé para você?
Eu não sei exatamente o que é, mas para mim tem a ver com sentimento de esperança. Sabe aquela sensação de esperança que você sente em relação a alguma coisa que você não tem uma equação dizendo que aquilo vai dar certo, mas tem um nível de esperança tão grande em você e você quer tanto?  Acredito que é uma junção de desejo com esperança.

Você se casou ano passado. O que Leandro tem, ou o que vocês juntos têm, que te levou a dar esse passo, de casar, no papel, na religião...
Leandro é um parceiro, é um cara por quem me apaixonei e me mostrou que a gente podia ser parceiro de igual para igual, que não ia ter joguinho de poder, que íamos ser amigos além da paixão, que a gente tinha muito ouvido um para o outro. Ele foi me provando essas coisas. E eu sou libriana, eu adoro casar, eu adoro me relacionar. O casamento no papel é só uma forma de garantir que essa parceria, juridicamente, seja reconhecida e que, se qualquer coisa acontecer, tanto ele vai ter os direitos dele, quanto eu vou ter os meus direitos. Me senti pronta para isso.

Foi um processo de amadurecimento seu ou foi ter encontrado a pessoa 'certa'?
As duas coisas, porque eu não tinha uma loucura para casar. Também nunca sentia que era o momento e dessa vez eu senti.

Leandro também é um homem que entendeu que você é uma pessoa pública, uma mulher forte, que muitas vezes ele não vai vir primeiro?
Total. Ele tem uma inteligência emocional genial. Leandro me provou que não ia fazer joguinho de poder comigo, não ia ficar competindo comigo, ia respeitar meu espaço e vice-versa. A gente confia muito um no outro; ele sendo um homem bonito é assediado, normal, mas eu confio tanto nele que não mexe com a minha mente, não entra no nosso dia a dia esse tipo de pensamento. Muito raramente a gente fica com um ciuminho natural, mas conversamos, não vira um problema. Não é aquilo de a pessoa sente ciúme e não quer mostrar que está com ciúme, aí bota o problema em outro lugar da relação. Não tem nada disso. É muito uma relação muito honesta, sim.

Leandro já é pai. Você, que tem irmãos mais novos e sempre conviveu com crianças, tem vontade de abraçar a maternidade?
Eu sempre quis ser mãe, sempre cogitei que esse momento ia acontecer na minha vida. E continuo cogitando. A gente quer, Leandro adora ser pai, e queremos muito viver essa maternidade e a paternidade.

Do que você se libertou com o tempo?
Estou bem boa em abrir mão de me apegar às tristezas da vida, que são muitas. Tristeza é normal, comum, faz parte da vida, mas eu ficava muito presa a ela: decepção com amigo, com namorado, com família, com o jeito que as coisas aconteceram em tal momento, o que às vezes não é culpa de ninguém especificamente, é só uma dinâmica que está instaurada.

Você está sempre envolvida em vários projetos diferentes, em áreas diferentes. É do tipo de pessoa que precisa sempre estar produzindo?
Sim, eu sinto exatamente isso: o meu desejo é muito intenso e ele vai diretamente de encontro com a moda, com a música, com o audiovisual. São coisas que me alimentam muito eu fico muito grata e realizada quando eu trabalho com elas.

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Cleo (Foto: Ernna Cost)

Quem te inspira?
Na moda a Rihanna me inspira muito. Como cantora, ela e a Jennifer Lopez, eu amo a JLo. No audiovisual, a Viola Davis, que veio ao Brasil recentemente, adoraria tê-conhecido.

Você tem mais de 20 milhões de seguidores apenas no Instagram. Como filtra o que compartilha em suas redes sociais? Sente a responsabilidade de influenciar tanta gente?
Eu posto o que gosto - até rimou. Obviamente, me preocupo, existe uma responsabilidade, porque tenho um acesso grande às pessoas. Mas eu não sou só para os outros, também só para mim, né? E eu não sou só um exemplo, sou uma pessoa que está vivendo e está aprendendo. O meu critério é postar o que gosto. Já me senti cobrada a postar, mas não é uma coisa que mexe muito comigo ou tira o meu sono.

Quais as questões que tiram seu sono hoje?
Injustiça. Nunca mudou o lugar da minha revolta com o que eu vejo que são coisas injustas, continuam me afligindo. Mas hoje eu choro mais de emoção do que de angústia.

Qual foi a última vez que você chorou?
No Rock in Rio, me apresentando, porque a minha família estava lá, e fui dar uma entrevista e falar sobre a importância dele estarem lá, eu comecei a chorar. Não posso nem lembrar que me dá vontade de chorar. Foi bem emocionante.

Você é satisfeita com quem você é ou todo sai pensa que pode melhorar?
Todo dia eu acordo e eu penso: ‘eu quero melhorar, eu posso melhorar’. Todo dia e espiritualmente também. Comigo e com os outros.

A vida te deixou mais cascuda ou ela te deixou mais amorosa, mais empática com os outros?
A vida por si só me deixaria mais cascuda, mas o meu esforço de querer ser uma pessoa melhor e mais feliz me fez ficar mais amorosa. Como diria Anitta, eu que quero agradecer a mim (risos).

O que que te deixa feliz hoje de verdade?
Felicidade é uma conquista, é um passo a passo, é um processo. Tem várias coisas pequenas e grandes que me deixam feliz, coisas mais palpáveis e concretas, mais subjetivas e sutis. Acho que, às vezes, ela é supervalorizada, tem uma pressão para as pessoas, ‘ai, tem que ser feliz, tem que ser feliz’; caralho, não, deixa viver minha vida, porra, vou viver do jeito que der, entendeu? Eu gosto de ser feliz, eu procuro ser feliz, eu procuro a felicidade, estar feliz, mas o que me incomoda é a felicidade ser usada como ferramenta de opressão para as pessoas. ‘Ai, fulano é tão feliz’, como se ela fosse uma pessoa melhor porque ela é feliz e não [não é]. Mas é uma delícia estar feliz.

Fonte: Quem/Globo