Lupi deixa Ministério da Previdência após desgaste por crise no INSS

Investigações mostraram descontos indevidos em aposentadorias e pensões

Lupi deixa Ministério da Previdência após desgaste por crise no INSS
O ministro da Previdência, Carlos Lupi, em audiência na Câmara — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

O ministro da Previdência, Carlos Lupi, pediu demissão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta sexta-feira, nove dias após uma operação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU) revelar um esquema bilionário de desvios em aposentadorias e pensões do INSS (leia mais sobre as investigações abaixo).

Apesar das investigações não citarem Lupi, ele estava desgastado pelas revelações. O entendimento de integrantes do Palácio do Planalto foi que prevaleceu uma ideia segundo a qual ele não tomou providências para estancar os descontos. As apurações revelaram também uma demora nas ações do governo sobre o tema, mesmo após diversos alertas.

Lupi ainda perdeu o direito de indicar o chefe do INSS. Coube ao presidente Lula escolher Gilberto Waller Júnior, que ingressou no INSS como procurador em 1988 e já foi corregedor-geral do órgão. O ministro havia indicado Alessandro Stefanutto em 2019, demitido pelo presidente da República após a operação.

Nesta semana, a oposição na Câmara reuniu as assinaturas necessárias para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o caso.

Em publicação nas redes sociais, ele disse que tomou a decisão "com a certeza de que meu nome não foi citado em nenhum momento nas investigações em curso".

"Faço questão de destacar que todas as apurações foram apoiadas, desde o início, por todas as áreas da Previdência, por mim e pelos órgãos de controle do governo Lula", disse.

Lupi disse esperar que as investigações sigam seu curso natural, "identifiquem os responsáveis e punam, com rigor, aqueles que usaram suas funções para prejudicar o povo trabalhador".

"Continuarei acompanhando de perto e colaborando com o governo para que, ao final, todo e qualquer recurso que tenha sido desviado do caminho de nossos beneficiários seja devolvido integralmente. Deixo meu agradecimento aos mais de 20 mil servidores do INSS e do Ministério da Previdência Social, profissionais que aprendi a admirar ainda mais nestes pouco mais de dois anos à frente da Pasta. Homens e mulheres que sustentam, com dedicação, o maior programa social das Américas", afirmou.

Relação com PDT

Lupi é um aliado histórico de Lula e chefe licenciado do PDT, que apoiou o presidente no segundo turno das eleições de 2022. Um dos motivos que vinha fazendo o governo evitar a demissão é justamente a sigla ter alta fidelidade na base do governo no Congresso, diante do risco da relação estremecer. Lupi comanda o partido desde a morte de seu padrinho político e fundador da legenda, Leonel Brizola.

O PDT possui uma bancada de 17 deputados na Câmara. No Planalto havia um receio de que a demissão de Lupi poderia fazer com que a legenda deixasse a base do governo e complicasse ainda mais a situação do governo Lula no Legislativo, que não é boa.

Nesta semana, o líder do PDT na Câmara, Mário Heringer (MG), chegou a dizer que que se Lupi fosse demitido, o partido sairia da base do governo. O governo já enfrenta turbulência no Congresso desde o início deste mandato de Lula por causa da hegemonia dos partidos de centro-direita.

Um outro fator que vinha justificando a permanência de Lupi é a eleição de 2026. O PDT abriga Ciro Gomes (CE), candidato à Presidência em 2022. A avaliação é que, se o ministro ficasse no cargo, mas chances de Ciro concorrer no ano que vem eram baixas.

Publicamente, auxiliares de Lula procuram descartar a preocupação com eventuais consequências políticas de eventual demissão de Lupi e frisam que não há nada nas investigações até o momento que aponte o envolvimento do titular da pasta com irregularidades.

— Não tem nada contra o Lupi no inquérito. O presidente é sempre muito cauteloso em relação à presunção de inocência. Então se não tem nada que o envolve, não tem motivo para ser afastado. Ele está se defendendo, e obviamente se tiver alguma coisa que no futuro venha a envolvê-lo, não só ele, como qualquer outro ministro, será afastado — disse a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, na última quarta.

Demora para agir

Mas o escândalo dominou a Esplanada nas últimas semanas e pode gerar uma nova CPI para o governo. Segundo a operação, deflagrada no último dia 23, entidades sindicais e associativas investigadas cobravam, sem autorização, mensalidades de aposentados e pensionistas do INSS. Os descontos entre 2019 e 2024 e somam R$ 6,3 bilhões, mas a PF não diz quanto disso foi desviado.

Ao GLOBO, Lupi admitiu no último domingo que houve demora em tomar medidas para conter as fraudes e disse que sabia das denúncia. Ele negou, porém, que tenha havido omissão de sua parte e diz não se sentir desconfortável em permanecer no governo.

— No governo, tudo é demorado. Eu sabia o que estava acontecendo, das denúncias. Eu sabia que estava havendo um aumento muito grande (dos descontos nas mensalidades), que precisava fazer uma instrução normativa para acabar com isso e comecei a me irritar pela demora. Só que o tempo no governo não é o tempo de uma empresa privada — afirmou.

O ministro já havia comentado as fraudes no início de 2023, ou seja, no começo do terceiro mandato de Lula. Convidado a falar sobre o assunto na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, em 26 de abril daquele ano, Lupi admitiu a existência de fraudes no sistema e afirmou que não tinha como intervir no processo de autorização do desconto, cabendo à pasta apenas o cancelamento a pedido do beneficiário.

A crise dominou os eventos do Dia do Trabalhador em São Paulo, que não tiveram a presença do presidente Lula. No lugar dele, os ministros do Trabalho, Luiz Marinho, e da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, saíram em defesa de Lupi.

Entenda a operação

A megaoperação deflagrada pela PF e CGU visa combater descontos não autorizados em aposentadorias e pensões pagas pelo INSS. Stefanutto foi afastado do cargo por decisão judicial e depois demitido por Lula.

A operação, que envolveu centenas de policiais e auditores, foi autorizada pela Justiça do Distrito Federal para combater um esquema nacional de descontos associativos não autorizados em aposentadorias e pensões. As investigações apontam que a soma dos valores descontados chega a R$ 6,3 bilhões, entre 2019 e 2024, mas ainda será apurado qual porcentagem foi feita de forma ilegal.

As investigações apontaram que havia descontos sobre valores pagos mensalmente pelo INSS como se os beneficiários tivessem se tornado membros de associações de aposentados, quando, na verdade, não haviam se associado nem autorizado os descontos.

Após a operação, o governo suspendeu todos os acordos que previam desconto nas aposentadorias.

Fonte: Globo.com