O que já se sabe sobre a primeira fase do acordo de paz em Gaza entre Israel e o Hamas

O que já se sabe sobre a primeira fase do acordo de paz em Gaza entre Israel e o Hamas
foto, Palestinos celebram o acordo anunciado na quarta-feira

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na quarta-feira (08/10) a aprovação do primeiro estágio de um acordo de paz entre Israel e o Hamas para Gaza que poderia levar ao fim do conflito na região.

O anúncio ocorre dois anos e dois dias após Israel lançar uma ofensiva militar na Faixa de Gaza em resposta ao ataque de 7 de outubro de 2023, quando homens armados liderados pelo Hamas mataram cerca de 1.200 pessoas e fizeram outras 251 reféns.

Desde então, mais de 67 mil pessoas foram mortas nas operações militares israelenses em Gaza, incluindo cerca de 20 mil crianças, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas.

Confira a seguir, o que se sabe sobre o acordo, e o que ainda não está claro.

O que foi anunciado?

Após intensas negociações no Egito, Israel e o Hamas concordaram com a primeira fase de um plano de paz dos EUA, segundo Trump.

Ao anunciar o acordo nas redes sociais, o presidente americano afirmou: "Isso significa que todos os reféns serão libertados muito em breve, e Israel vai retirar suas tropas até uma linha acordada."

Trump disse que "todas as partes" seriam tratadas de forma justa e descreveu o pacto como "os primeiros passos rumo à paz duradoura".

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, classificou o momento como "um grande dia para Israel" e disse que seu governo se reunirá nesta quinta-feira (09/10) para aprovar o acordo e "trazer todos os nossos queridos reféns de volta para casa".

Ao confirmar o anúncio, o Hamas declarou que o pacto "encerra a guerra em Gaza, garante a retirada completa das forças de ocupação, permite a entrada de ajuda humanitária e estabelece uma troca de prisioneiros".

O que foi acordado é a primeira fase de um plano que o presidente anunciou na Casa Branca na semana passada, juntamente com Netanyahu, que já foi acusado de sabotar os esforços para um acordo no passado.

Desta vez, Trump, supostamente impaciente e irritado com Netanyahu, parece ter usado o poder que só os americanos têm para influenciar Israel, deixando Netanyahu sem outra opção a não ser se envolver no processo.

Ameaçado por Trump com "obliteração completa", o Hamas também estava sob intensa pressão. Países árabes e muçulmanos abraçaram o plano do presidente, e houve forte envolvimento do Egito, Catar e Turquia nas negociações.

Israel e o Hamas não mantêm contato direto. As negociações foram mediadas por Steve Witkoff, enviado de Trump para o Oriente Médio, Jared Kushner, genro de Trump, e por representantes do Egito, do Catar e da Turquia.

O que acontece agora?

O governo de Israel deve votar o acordo nesta quinta-feira (09/10).

Se o texto for aprovado formalmente, Israel deverá retirar suas tropas da Faixa de Gaza até a área negociada, disse um alto funcionário da Casa Branca à emissora CBS News. Segundo essa fonte, a retirada militar deve ocorrer em até 24 horas.

Após essa etapa, começará uma contagem de 72 horas para que o grupo islâmico Hamas liberte os reféns ainda vivos.

De acordo com o mesmo funcionário, a libertação deve começar mesmo na segunda-feira (13/10).

O que ainda não se sabe?

O que foi anunciado até agora é apenas a fase inicial do plano de paz de 20 pontos de Trump, aceito por Israel e parcialmente aprovado pelo Hamas.

Os comunicados, porém, não trataram de temas delicados sobre os quais as partes ainda não chegaram a um consenso.

Um dos principais impasses é o desarmamento do Hamas, ponto central do plano de Trump. O grupo já afirmou que só entregará suas armas quando for criado um Estado palestino.

Outro ponto de discórdia é o futuro governo da Faixa de Gaza. O plano de 20 pontos estabelece que o Hamas não terá papel algum na administração do território e propõe que a área seja governada temporariamente por um "comitê palestino tecnocrático e apolítico", antes de ser transferido à Autoridade Palestina.

Netanyahu sinalizou resistência à participação da Autoridade Palestina na semana passada, mesmo ao aceitar o plano de Trump.

Setores ultranacionalistas de sua coalizão, que defendem a construção de assentamentos judaicos em Gaza, também devem se opor à proposta.

O Hamas, por sua vez, afirmou que ainda espera ter algum papel no governo em Gaza.

Além disso, até a noite de quarta-feira (08/10), o Hamas ainda não havia recebido a lista final de prisioneiros palestinos que Israel pretende libertar em troca dos reféns em Gaza, segundo uma fonte palestina ouvida pela BBC.

O plano de 20 pontos prevê a libertação de 250 presos condenados à prisão perpétua e de outros 1.700 palestinos detidos após 7 de outubro de 2023.

O Hamas sabe que, ao libertar os reféns, perderá a influência que tem nas negociações com Israel. Por isso, exigiu garantias de que Israel não retomará os combates após a libertação dos reféns, mas tem motivos para desconfiar: em março, Israel violou um cessar-fogo e voltou à guerra com ataques aéreos devastadores.

Em Israel, por outro lado, um país exausto pelo conflito, as pesquisas de opinião pública têm consistentemente sugerido que a maioria das pessoas deseja o fim do conflito.

Mas Netanyahu ainda enfrenta obstáculos políticos. Ele conta com o apoio de ministros ultranacionalistas que ameaçaram deixar a coalizão em caso de acordo (a depender dos termos acordados), o que poderia levar ao colapso do governo, uma preocupação que muitos suspeitam que levou Netanyahu a prolongar a guerra para se manter no poder. Ele prometeu alcançar "vitória total" contra o Hamas, e qualquer acordo terá que permitir, no seu ponto de vista, que ele diga que conseguiu o que buscava.

Netanyahu chamou o anúncio de uma "vitória diplomática, nacional e moral para o Estado de Israel". Curiosamente, ao contrário do Hamas, sua declaração não afirmou que encerraria a guerra.

Qual foi a reação ao anúncio?

Parentes de reféns israelenses receberam o acordo com aprovação. Eli Sharabi, cuja mulher e filhos foram mortos, e cujo irmão, Yossi, teve o corpo retido pelo Hamas, escreveu: "Alegria imensa, mal posso esperar para ver todos em casa."

A mãe do refém Nimrod Cohen publicou: "Meu filho, você está voltando para casa."

Na Faixa de Gaza, houve comemorações após o anúncio. "Graças a Deus pelo cessar-fogo, pelo fim do derramamento de sangue e das mortes", disse Abdul Majeed abd Rabbo, morador da cidade de Khan Younis, no sul do território, à agência de notícias Reuters.

"Não sou o único feliz, toda a Faixa de Gaza está feliz, todo o povo árabe, todo o mundo está feliz com o cessar-fogo e o fim do derramamento de sangue."

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, afirmou que "o sofrimento precisa acabar" e acrescentou que a entidade apoiará a "total implementação" do acordo, além de aumentar a entrega de ajuda e os esforços de reconstrução em Gaza.

O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, comemorou a notícia: "É um momento de profundo alívio que será sentido em todo o mundo, mas especialmente pelos reféns, suas famílias e pela população civil de Gaza, que suportou sofrimentos inimagináveis nos últimos dois anos."

O primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, classificou o acordo como "um passo muito necessário rumo à paz" e pediu que as partes "respeitem os termos do plano".

No Congresso dos EUA, parlamentares adotaram tom cautelosamente otimista.

"O primeiro passo foi dado, e todas as partes precisam garantir que isso leve a um fim duradouro da guerra", afirmou o senador Chris Coons, do Partido Democratam em publicação na rede social X.

O senador James Risch, do Partido Republicano, presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, considerou o acordo bem-vindo e disse que "aguarda conhecer os detalhes" do plano.


Com informações de Hugo Bachega, Rushdi Abualouf e Lucy Manning.