Brasil bate recorde de feminicídios em 2022, com uma mulher morta a cada 6 horas

Número de vítimas cresceu 5% no último ano, mostra levantamento exclusivo do Monitor da Violência. Foram 1,4 mil mortes motivadas pelo gênero. Alta de casos vai na contramão dos assassinatos, que tiveram queda de 1% em 2022.

Brasil bate recorde de feminicídios em 2022, com uma mulher morta a cada 6 horas
Foto: Melanie Wasser/Unsplash

O Brasil teve um aumento de 5% nos casos de feminicídio em 2022 em comparação com 2021, aponta levantamento feito pelo g1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal. São 1,4 mil mulheres mortas apenas pelo fato de serem mulheres - uma a cada 6 horas, em média. Este número é o maior registrado no país desde que a lei de feminicídio entrou em vigor, em 2015.

A alta acontece na contramão do número de assassinatos sem o recorte de gênero, que foi o menor da série histórica do Monitor da Violência e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Com 40,8 mil casos, o país teve 1% menos mortes em 2022 que em 2021.

Se forem consideradas apenas as mortes de mulheres, o que inclui também os casos que são classificados como feminicídios, o número cresceu 3% de um ano para o outro — para 3.930.

Esta reportagem revela que:

  • o Brasil teve 3,9 mil homicídios dolosos (intencionais) de mulheres em 2022 (aumento de 2,6% em relação ao ano anterior)
  • foram 1,4 mil feminicídios, o maior número já registrado desde que a lei entrou em vigor, em 2015
  • 12 estados registraram alta no número de homicídios de mulheres
  • 14 estados tiveram mais vítimas de feminicídio de um ano para o outro
  • Mato Grosso do Sul e Rondônia são os estados com o maior índice de homicídios de mulheres
  • MS e RO também têm as maiores taxas de feminicídios do país

O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do g1 com o Núcleo de Estudos da violência da USP (NEV-USP) e o FBSP. Nesta quarta (8), é celebrado o Dia Internacional da Mulher.

Tortura, ciúme, ameaças

filhos pelo marido, que já tinha sido preso três vezes por agredi-la. Valdirene foi assassinada com 19 facadas pelo pai do seu filho de 7 anos, que não aceitava o fim do relacionamento.

"Infelizmente alguém tirou a vida dela, mas que a Justiça um dia saiba do papel e ela possa acontecer de verdade", disse Valdineide Torquato, irmã de Valdirene. "Para que muitas mulheres não venham passar pelo que ela passou. Porque eu sei que a dor é muito grande e acaba desestruturando toda uma família."

De acordo com o Anuário de Segurança Pública, do FBSP, 8 em cada 10 crimes de feminicídio são cometidos pelo parceiro ou ex-parceiro da vítima.

"Ao contrário dos homicídios em geral, cujas motivações são as mais variadas, os feminicídios têm sempre o mesmo cerne: a desigualdade de gênero", afirmam as pesquisadoras Debora Piccirillo e Giane Silvestre, pesquisadoras do NEV-USP.

"Esta desigualdade, que está presente nas relações sociais, é baseada na crença de que as mulheres são subalternas aos homens e que suas vontades são menos relevantes. A violência de gênero reflete a radicalização desta crença que, muitas vezes, transforma as mulheres em objetos e 'propriedade' de seus parceiros."

Alta de feminicídio: mais registros ou mais violência?

Desde 2015, quando a lei passou a valer, os números de feminicídios têm crescido a cada ano no Brasil.

Como é possível ver no gráfico abaixo, o número de feminicídios de 2022 é o mais alto da série histórica do Monitor da Violência e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Vale notar, porém, que diversos estados ainda não possuíam dados de feminicídios em 2015, 2016 e 2017. Os dados apenas são referentes a todos os estados a partir de 2018.

O aumento de casos pode ser um indicativo de que as polícias estão cada vez mais se adequando à legislação e registrando corretamente o crime. Alguns especialistas apontam, porém, que o crime está, de fato, crescendo no Brasil.

Uma das explicações para a alta do feminicídio, em um período de queda dos homicídios, é a redução expressiva do investimento em políticas de enfrentamento à violência doméstica e familiar, afirmam Piccirillo e Silvestre, do NEV-USP. Durante o governo Bolsonaro, ressaltam elas, houve um corte expressivo da verba para essa área, dinheiro destinado, principalmente, às unidades da Casa da Mulher Brasileira e de Centros de Atendimento às Mulheres.

Segundo as pesquisadoras, outros fatores são: a baixa fiscalização, o que permite que mesmo mulheres com medidas protetivas se tornem vítimas de feminicídio; o aumento do número de armas em circulação, com o relaxamento das leis; e a ascensão de movimentos conservadores que defendem a manutenção da desigualdade de gênero nas relações sociais.

Samira Bueno e Isabela Sobral, do FBSP, ressaltam que a implementação das leis de proteção à mulher existentes, como a Lei Maria da Penha, poderia ter evitado muitos casos de feminicídio.

"Não se trata, portanto, de crimes passionais, que ocorrem do dia para a noite, mas, pelo contrário, são fruto de uma escalada de diferentes formas de violência que geralmente iniciam com ofensas e humilhações, ciúmes excessivos, violência patrimonial, e evoluem para a violência física."

As pesquisadoras lembram que maioria absoluta das mulheres vítimas de violência no ano passado não buscou nenhum equipamento estatal, segundo a pesquisa Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, divulgada na última semana.

Samira e Isabela destacam que a qualidade da informação sobre os registros de feminicídio melhorou, mas ainda há espaço para aprimoramento. "Temos observado que em vários estados o percentual de feminicídios em relação ao total de assassinatos têm crescido, o que denota uma melhoria no trabalho de investigação da Polícia Civil."

Brasil de contrastes

Metade dos estados brasileiros teve alta nos casos de feminicídios em 2022. Em alguns casos, o aumento foi de mais de 40% – como em Mato Grosso do Sul (40%), Rondônia (75%) e Amapá (100%).

MS e RO, inclusive, também são destaques negativos em outros dois indicadores: as taxas de ocorrências de mortes de mulheres (veja as taxas de todos os estados no final desta reportagem). Esse indicador é importante porque ele mede a incidência do crime em relação à população de cada estado – e não apenas o número absoluto de mortes.

Em nota, a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Campo Grande (MS) afirmou que tem uma taxa de resolução de feminicídios de 100%, incluindo a prisão dos autores. De acordo com o órgão, há policiais treinados capazes de atuar contra a violência de gênero e prestar atendimento humanizado 24h por dia. Ressaltou ainda que faz ações de prevenção, como as palestras, em vários setores da sociedade.

  • Espírito Santo: 4,4
  • Paraná: 4,4
  • Pernambuco: 4,4
  • Alagoas: 4,1
  • Paraíba: 4,1
  • Goiás: 3,7
  • Maranhão: 3,6
  • Brasil: 3,6
  • Rio Grande do Norte: 3,3
  • Sergipe: 3,3
  • Amapá: 3,1
  • Rio de Janeiro: 3,1
  • Minas Gerais: 2,8
  • Santa Catarina: 2,8
  • Distrito Federal: 2,2
  • São Paulo: 1,8
  • Os dados do último trimestre do RJ ainda estão em fase de análise e podem sofrer alterações.

    Taxa de feminicídio por estado

    Veja a taxa de feminicídios em cada estado, em ordem decrescente:

    • Mato Grosso do Sul: 3,5
    • Rondônia: 3,1
    • Mato Grosso: 2,7
    • Acre: 2,5
    • Tocantins: 1,9
    • Rio Grande do Sul: 1,8
    • Alagoas: 1,8
    • Maranhão: 1,8
    • Amapá: 1,8
    • Sergipe: 1,6
    • Minas Gerais: 1,6
    • Espírito Santo: 1,5
    • Pernambuco: 1,5
    • Goiás: 1,5
    • Santa Catarina: 1,5
    • Bahia: 1,4
    • Piauí: 1,4
    • Paraná: 1,3
    • Brasil: 1,3
    • Pará: 1,2
    • Paraíba: 1,2
    • Distrito Federal: 1,2
    • Roraima: 1
    • Amazonas: 1
    • Rio Grande do Norte: 0,9
    • Rio de Janeiro: 0,9
    • São Paulo: 0,8
    • Ceará: 0,6

    Por: G1